quarta-feira, 4 de março de 2009

Corda, árvore ou bananeira? Elefante.

È uma correspondencia sobre pensar música e os personagens são a Marcia Tosta, autora do "Os Donos da Voz" e o Juliano Polimeno, do Phonobase e que é uma pessoa semantica.



From: Marcia Tosta Dias
Sent: quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009 01:27
To: pena.schmidt
Subject: Desculpe, o anterior foi incompleto!

Querido Pena,
eu queria era enviar o projeto pronto. Mas como ainda não dá e pra você não achar que estamos por aí usando seu santo nome em vão, dá uma olhada na idéia que eu mandei pro Juliano Polimeno pedindo sugestões! Se for o caso já dá logo o corte ou o toque que falta.
BJS
Marcia

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A idéia é a de, aproveitando o quanto se pode a espantosa frase do Pena "eu estou aqui às ordens!" (vc viu, né?), propor a realização de dois debates nesse semestre, dando continuidade ao que se pensou ser a série Pensar Música (debates que acontecem num fim de tarde, no começo da semana, dirigidos aos interessados em geral e aos alunos da escola de música do AI). Depois daquela sessão inaugural e geral, quero propor que a gente detalhe um pouco mais as questões que achamos as mais importantes desse panorama em transformação que é o da produção e difusão de música gravada. Gostaria de evit ar, pelo menos a partir da forma como a discussão será proposta, a polarização do debate entre "apocalípticos e integrados", como te disse. Peço então a sua ajuda, o seu palpite, sugestões sobre esses temas.
A primeira idéia que apresentei ao Pena para a primeira sessão, sem no entanto ter finalizado, proposto nomes, quer refletir sobre o trabalho do produtor musical na atualidade. Isso significa refletir sobre o passado (e é claro que estou pensando nas biografias de que falamos) e sobre esse legado vis-a-vis a transformação atual. Seria o fim do trabalho desse agente social da coisa, o que se ganha tendo um bom produtor musical no processo de produção de um disco, seja lá onde ele for feito? E que se perde? Seria exemplar para o lance a contribuição de um cara como o Mazzola (vc leu?) que tem uma trajetória grande nas majors e depois faz uma pequena, e escreveu um livro, etc. o meu sonho é com o Midani, mas não sei se é viável... e eu semp re quis muito, mesmo se parecesse ser modesto (e pára aí a música!!!) Mas temos que conversar com o Pena pois várias sintonias tem que ser organizadas aí. Então, peço sugestões. Poderia ser o Mazzola, o Pena e um mestre de cerimônias e por aí podemos ver. O que vc acha?
A segunda sessão proporia o seguinte desafio: dois convidados (quem?) com condição e coragem de enumerar sistematicamente 10 itens entre perdas e ganhos trazidos pelas transformações contemporâneas no panorama da produção e difusão de música gravada. Olha aí, ficou até bonito!!!! O objetivo: levantar as questões de fundo, fugir das polaridades exageradas e contribuir com o exame e o debate de maneira didática e mais organizada. A questão: quem chamar????? É o que eu te pergunto!



qui 19/2/2009 22:38

Caros Marcia e Ju

Como ando tuitando loucamente e o assunto sempre vem, estou preparado para reagir ao ser cutucado, abro a wikipedia.

Sejamos enciclopédicos, escatológicos, semióticos e hermeneuticos, completos porem simples e modestos...

É mais que a produção e difusão da musica.
Estamos falando da transformação atual da sociedade, uma mutação de “fim de mundos”.
Vamos usar a Música, que já conhecemos, para pensar sobre o mundo, para entender como fica?
Vamos entender a Música como arauto do resultado da transformação? Que no fundo somos os mesmos, com melhores ouvidos.


Quais são estes 10 itens que fatiam o salame?
A partir desta lista surgirão as diferentes descrições de cada fatia a partir de cada ponto de vista.
Esta lista existia antes, analogica, continua existindo digital e continuará existindo sem fio.

Por exemplo:
Criação como ponto de partida
Interpretação como caminho do artista
Fixação como surgimento da obra
Distribuição como transporte da obra
Exibição como encontro com o espaço
Fruição como o encontro com o público
Catarse como o efeito no público
Partilha como o reconhecimento entre o público
Fundação como o alicerçamento na memoria coletiva
Recriação como o ponto de chegada, o ombro dos gigantes

Que gera um novo ponto de partida

Pronto deu dez!
Podem ser outros dez ou outros nomes e podem ser divididos mais para cá ou mais para lá, mas este percurso persiste. Sim? Concordam?

Daí é descobrir a maneira eficaz de como pedir para as pessoas, inclusive o público, contribuir com sua visão, opinião, percepção de cada pedaço ou da relação entre os pedaços. To afim de crowdsourcing.

Se não organizarmos o fluxo o transito pára, caimos no ideismo achistico atual, essa coisa de só termos passado, só conta a experiencia do passado, o vinil, a gravadora versus o futuro da música, a morte do Cd, a cultura livre, o próximo orkut. Tira o “versus” daí e vamos botar um “vezes”, de multiplicado por.

Assim, esta discussão pode ter um lado menos enfatico na História da Arte, de como eram as coisas que Pena, André, Mazzola, Lima, Zuza viram, sem desrespeito, mas também em como criar, interpretar, produzir, distribuir hoje, para quem, com que resultados. Os meios, modos e métodos podem ser os mesmos? Como aprender a ter senso crítico para saber o que serve e o que não serve? Há uma ética musical? Sinceridade ou Técnica?

Ainda, onde estão as profissões hoje, neste percurso? Quem são os agentes e o que eles estão fazendo, em que partes do percurso?

Cada vez mais encaro a produção musical com diferentes qualificativos.
Produção musical para o futuro, e não para o mercado. Não vejo o mercado, aquele mercado fonografico de cópias e imagem irradiada, participando do futuro. Não descrevo o que vai acontecer porque nem imagino, mas com o que vemos hoje é possivel dizer que já não é mais, certo? Produção musical para o futuro, sabendo identificar o tal percurso e sabendo percorre-lo. Trabalhar para o público, administrar recursos para encontrar o público, saber se conectar com o público, apresentar seu trabalho de forma consistente, cada vez melhor. Vejam que não há muito mistério em realizar as coisas, a produção como técnica virou linguagem corrente, os equipamentos baratos funcionam produzindo resultados de qualidade, som é commodity. Gravar nem se fala, editar, mixar, adquire-se resultados premium pela pratica diaria que o notebook garante. Em 1980/90 um produtor de sucesso usava 2000 horas de estudio por ano. Qualquer menino passa 3000 horas/ano com o mouse na mão, manipulando sons com muito mais eficiencia, as tais 10.000 horas de prática que definem os talentos se fazem em tres anos, todo mundo. Fiz meu ponto sobre produção de estudio?

Resta esta forma da rede, mais holistica, mais social, mais abrangente de ser artista e conseguir reverberar. Radiohead quer bebedouros para encher suas garrafinhas de agua. OK, são os mesmos que perguntaram quanto voce quer pagar. Os eruditos que vão participar da Orquestra do YouTube. As mil quitandas de música que se formam na rede, movidas a banco de dados, tags, catálogos infinitos, recomendações e semelhanças, e que vão criar uma nuvem de músicas, goticulas culturais mudando de aparencia com o vento. O produtor musical será alguem que encoraja o artista a viver nesse mundo real, das pessoas entrelaçadas por bits, partilhando.

Resta o público e sua cultura, a velha cultura do passado, de raizes fundas que todo mundo canta ou bate o pézinho, a cultura pop do RTV, LP, CD e K7, mais o que se ouviu junto por ai, tudo isso que já está lá dentro do público, tudo isso pode fazer parte do que se usa para produzir música que reverbere hoje para garantir seu lugar no futuro.
Opa! Nessa hora, a História da Arte fica importantíssima! O produtor agora precisa ouvir, outras 10.000 horas ouvindo tudo, não é só uma questão de opinião, mas de conhecer o que está lá dentro de todo mundo. Antes alguns programadores de radio com este papel iluminavam o caminho.

Resta o espetáculo, o momento da verdade, que precisa de forma, roteiro, acabamento, ritmo, carpintaria, humor e drama, é o mesmo espetáculo fazem 40 mil anos de idade, uma flauta e uma fogueira. Como público eu e voces sabemos que funciona, ou não. A produção musical, ofuscada pelo brilho das lampadas, não fez da produção de espetáculos uma ciencia, nem mesmo um artesanato. Zero, nada consta, não se fala que é preciso produzir, como em construir, um espetáculo musical, nada além de um rol de roupa, um ritual burocratico, o rooming list, rider de som e luz e o “roteiro/programa” de músicas... As lampadas acesas farão o trabalho de ligar a imaginação do público, como as chamas na idade da flauta de osso furado. Vejo aqui uma fratura exposta.
A música perdeu-se em algum lugar, achando que eram apenas sons organizados e basta. Não basta. É preciso um maestro e sua varinha de condão para nos fazer acreditar na mágica. Foi preciso uma industria inteira apoiada na imagem e no texto, na lenda pop, para nos fazer ouvir e acreditar no vinil. O espetáculo faz parte do trajeto e está a pé, fora da rede, não mapeado, não discutido, não experimentado, não praticado. As exceções comprovam a regra. O produtor musical de futuro precisa começar suas 10.000 horas de produção de espetáculos.

Bem, eu me empolguei, e me deixei levar. Temos de pensar em como dizer isto para os alunos da Escola do Auditório. Estou tateando o elefante: corda, árvore, bananeira.

Marcia, não sei se ajudei. Pior, vou postar.

Abs