terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Vendem-se artistas ou vende-se artistas?

Monteiro Lobato propos esta questão gramatical, " ferram-se ou ferra-se cavalos"? Como ficou depois da nova reforma ortográfica? Quem souber me esclareça, por favor.

Artistas estão à venda, esta é a conclusão do debate por estes ultimos dias, com materias na grande imprensa paulistana repercutindo um assunto que transbordou o covil dos filósofos do fim da industria fonografica.

Um artista estará se vendendo quando estabelecer um relacionamento com uma empresa, que poderá fazer uso de sua obra e sua imagem? Músicas que viram jingles, artistas patrocinados, essas coisas.

Propaganda, arte, mercado e integridade artistica, o debate é anterior á Escola de Frankfurt, a arte serve algo ou alguem? Não sei, nem os 50 anos de furiosa critica a isso tudo da turma de Frankfurt tão pouco respondeu, portanto, não vamos morder este biscoito.

Vamos lidar com alguns fatos que iniciaram a pauta.
No Midem, analistas do negócio da música apontam uma tendencia, a aproximação de artistas e empresas, jingles e patrocinios que envolvem privilegios para os clientes, faixas que podem ser ouvidas com exclusividade, o celular da Mallu Magalhães, o jantar do Pão de Açucar com seu Jorge dando canja, são alguns exemplos recentes por aqui.
Como sempre, começa porque havia um press release puxando a cobertura para seu lado, a Bacardi e o Groove Armada anunciando na feira da música o lançamento do album gravado na vigencia de seu patrocinio pela Bacardi, um relacionamento que havia sido lançado em 2008 como um "contrato de gravadora" com a Bacardi, modelo inédito.

Depois de um ano de shows de patrocinio na estrada, sucesso, sai o album. Até ai tudo bem, mas parece que o departamento de marketing resolveu participar das festividades e desenvolveu um projeto para a distribuição do disco que é um primor de confusão, baseado em orkuts, piramides, premios de milhagem e incentivo. Ficou tão complicado que não entendi, apesar de ter lido, em portugues no excelente site Remixtures, (que recomendo seja seguido de perto, são prolificos e o Miguel traduz quase tudo. Ora pois, o Remixtures é de Portugal. Salve Miguel! ) Posso me enganar, o que afinal é prova de minha infalibilidade, mas esta distribuição de música com tentativa de "fidelizar" clientes de rum não vai funcionar, podia ser mais simples.

Toca o telefone e me perguntam se artistas podem fazer isto sem se queimar, se isto afinal faz algum bem?

Anotem: sim pode, pode funcionar, pode dar certo, pode expor a obra dos artistas a um público novo, pode financiar a obra artistica, pode ser bom para o artista e para a arte. É uma oportunidade pela qual o artista luta e se escraviza, mostrar sua obra.

Desde que, anotem: a obra já exista, por exemplo, e seja aproveitada como jingle ou trilha de filme, uso justo e bem digerido, licenciamento. Um pouquinho de bom senso em não se transformar em simbolo de porcaria, mau gosto, falta de noção e outros pecados que não incomodam o marketing. Saber dizer não é necessario para manter as aparencias, pelo menos.

Também pode dar certo atender uma encomenda, criar para atender um briefing, escrever uma musica para um slogan, colocar seu rosto num filme, mas ai separam-se uns dos outros, os adultos dos meninos, os espertos dos que se acham. Saber criar comercialmente e continuar assinando para a posteridade é coisa de Michelangelos ou Mutantes. Muito juizo! A publicidade está cheia de bons artistas que preferiram ser anonimos, mas bem vestidos.
Ainda, não há cuidado e atenção que baste para lidar com o fato que o marketing vai mandar em tudo, vai tomar as decisões e ultimamente vai te respeitar ou não como artista. O risco existe e por isso é preciso cobrar caro, só por isso.

Na agenda do musico de hoje esta possibilidade ainda precisa ser escrita e para dar certo, todo o resto precisa estar fluindo, o agente, os shows, o disco, a relação com os fãs, com a imprensa, o trabalho novo, a viagem ao exterior, o espetáculo no Auditório Ibirapuera, o blog, o twitter e levar o cachorro para passear.

Toca de novo o telefone, agora querendo saber o que as empresas podem ganhar com isso, qual o ponto em se envolver com essa coisa tão sutil e encardida? A resposta certa é: muito, e no bom sentido.

Senão vejamos, sigam anotando:
Já aprendemos que patrocinar o esporte é perigoso, pode-se perder! mesmo tendo pago milhões para entrar no uniforme, perder no jogo não significa prejuizo para a imagem do patrocinador. (Quem pode dormir num mundo onde valem regras como essa?!) A vida continua mesmo na segunda divisão etc. Todos tem seu patrocinio, pela visibilidade, pela simpatia e boa vontade, esporte é legal e portanto todos os patrocinadores do esporte são alguma coisa mais bacanas que seus concorrentes que não patrocinam esporte, não é?
Pronto, podemos racionalizar o fracasso de bilheteria, de critica, talvez a prisão por drogas ou o divórcio em público, que são as derrotas quotidianas que ameaçam os artistas da música. As empresas não precisam ser tão conservadoras e ressabiadas, tudo bem, o público entende que o artista é maior que seus percalços.
Artistas da música geram boa vontade, simpatia e visibilidade. Mas tirando aquela meia duzia de estrelas que tem público cativo, não existem muitos artistas com suficiente visibilidade, a maioria está num limbo onde se confundem uns com os outros, não consigo identifica-los. Pois é.

Oportunidade numero um, saber escolher novos artistas que tenham identidade e personalidade adequada ao trabalho que se espera deles, de serem identificados pelo público e reconhecidos como bons artistas, graças ao patrocinador, este simpatico. Não serve qualquer artista, precisa ser bom e é dificil saber identificar um bom artista, há fé envolvida nisto e os melhores profissionais que o dinheiro compra (fau!). O artista não precisa ser famoso, nem milionario, nem tão lindo, mas precisa já ter sido chamado de artista, ser uma referencia na paisagem, como os carecas, isto se chama mostrar algum talento. Exemplos canonicos: anuncios que lançam ao mundo gente desconhecida ou não famosa, que por alguma qualidade X se fixam nas pautas, vejam os novos nesta lista de músicas de comerciais da Apple e aqui se fala dos efeitos positivos para ambos artista e empresa.

Oportunidade numero dois, aproveitar que já que o mundo se segmentou, depois da pedreira agora vamos espalhar areia, disse D.Erika. Artistas e seus nichos, pontaria a laser, basta saber apontar e as empresas podem falar com as tribos, sem ruido, diretamente, através de artistas que tem esta sintonia.

Oportunidade numero tres, o mercado da música tinha dono, 80% de tudo da música era de quatro companhias que faziam gestão extrativista. Aqui entre nós, hoje eles são donos de 100% de quase nada do que vale a pena hoje, incluindo o conhecimento, a sabedoria, a chinfra do show biz. Chico Buarque e a Madonna não trabalham mais para eles. Menos pedagios para participar. A hora é boa.


Então, ficamos assim, se os artistas e as empresas souberem se posicionar da forma correta, respeitosa, ética, vamos todos prosperar. Assim é fácil, gritaram. Mas é assim mesmo que deve ser, não basta o dinheiro ordenar ou as musas ficarem de mau humor, há um espaço de convivencia, no sentido mais feng shuei, uma area enorme de sucesso possivel entre música e artistas, marcas e empresas, regida pelos novos ventos que sopram hoje e vamos arrumar as velas para eles. Em frente.

Acrescentando em 7 fev 09: Tem mais angulos no assunto e vi algumas coisas bacanas. John Parelles, critico de música do NYTimes em 24/12/2008 já havia publicado um artigo, meio melancolico vespera de Natal, tipo deixem a minha música em paz, gosto de ouvir sem distrações, no carro ou no fone de ouvido, sem nenhuma marca por perto de minha música. "Desligue tudo, ponha uma música, feche os olhos e escute". Ei garotos, talvez tenha sido esta a semente pauteira aqui na pauliceia, não é mesmo?

A frase provocante é "Apparently there’s no going back, structurally, to paying musicians to record music for its own sake", tipo não há mais como voltar a viver apenas da música gravada.

Tudo bem, mas garanto que não é o fim da música gravada, que pode sim estar deixando de ser um negócio e vai se transformando numa linguagem artistica, como um dia já foi a música de piano, tão importante.

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