terça-feira, 13 de outubro de 2009

Música ainda é profissão? V.1.1

O valor que essa gente bronzeada tem.


Escrito para o "Guia da Produção Cultural 2010" do Edson Natale a Cristiane Olivieri


Se eu estivesse começando a carreira hoje, prestaria atenção em algumas coisas que podem fazer a diferença entre profissão ou passatempo. Como todo conselho dos mais velhos, pode ser interpretado apenas como - preste atenção!

1) Música como um serviço, como a gastronomia, a fabricação de vinhos ou roupas. As pessoas que consomem este serviço são chamadas de "público", em vez de "clientes". Esta é uma relação simples e direta, artista e seu público. O público, se gosta, entra na cadeia produtiva e acha uma forma de pagar para consumir, para fruir e se deliciar com sua música, pagando por ingressos, comprando discos, CDs, LPs, downloads ou músicas no celular, tanto faz. Não fará mal nenhum ao artista que inicia sua carreira lembrar-se disto e assim buscar seu público, trata-lo com carinho, e aos poucos, descobrir a maneira como seu público irá recompensa-lo financeiramente. O conceito principal é que haverá uma troca: sua arte, seu trabalho, pelo seu sustento e mais um pouco. Quem paga a conta é o público.

2) Como fazer negócio? Depois de 100 anos de um certo modelo unico que servia para todo mundo, consagrado pelo nome "gravadora", quando este modelo fracassa pelo desgaste tecnológico, pela mudança de costumes e habitos, enfim se desmancha de velho e gasto, é normal e compreensivel que os artistas da música sintam falta de uma estrutura comum a todos, algo que simplificava a venda, na verdade tirava de perto do músico o "caixa", o trabalho comercial. Pior, neste momento, 2010, ninguem sabe como fazer funcionar de outra forma o negócio, essa troca entre público e artista. Cada caso é um caso, não há método nem vale a experiencia. Não é uma questão de dinheiro, de empresas que sabem o que fazer, de caçadores de talento, curadores ou padrinhos. O que funciona para um pode funcionar apenas para ele. Portanto, faça o que o seu nariz manda voce fazer. Seu negócio, entendeu? Uns vão procurar distancia do trabalho comercial e vão delegar para gravadoras, vendedores, empresarios, agentes, produtores. Ok, não é má idéia, é preciso tempo para ensaiar e compor, mas não perca o controle de qualidade, será o seu público, não deles. Certas pessoas tem este talento comercial e gostam da música e do seu ambiente, serão bons vendedores, junte-se a eles, mas é preciso manter pulso firme para que os conceitos comerciais não determinem o rumo artistico. Mostre quem manda, a arte; mesmo que se percam algumas oportunidades, virão outras. Se em seu caso voce quer apenas tocar e não quer se preocupar com esse controle, essa responsabilidade, muito bem, sempre se pode conseguir emprego numa banda, numa orquestra e seguir o lider. Boa sorte e estude também para algum concurso público. Para seguir uma carreira na música é preciso lidar com estas responsabilidades e inseguranças, acreditar que irá conseguir criar um público a partir de sua arte, de sua maneira de ver o mundo e de usar a música para se expressar, inclusive até com letra, especialmente pela letra. Crie seu negócio a partir do que voce enxerga na sua frente, seu público.

3) Um dos enigmas que voce terá de resolver, é o comportamento da tele-horda, essa multidão incontavel e invisivel que se conecta, diz algumas palavras, copia o que quer e some, sem deixar rastros ou contribuição. São o seu público, de forma sutil e esgarçada, mas suficiente para conversarem entre si e gerar reputação de forma melhor que a grande e velha midia. Um boca a boca se espalha e cria pautas, cenas, tendencias. A tele-horda, autonoma e sem cabeça é poderosa na hora de gerar público para seu espetáculo, a melhor ferramenta de convencimento. Esta é a maravilha, a tele-presença, estar com eles, participar das conversações todas, no twitter, no orkut, onde eles estiverem. Alimente-os com músicas, remixes, fotos, textos, narrativas de viagem, opiniões, o tempo todo. Trate-os como individuos que gostam do que voce faz, agradeça a gentileza. Eles se materializarão na sua frente, com uma nota de 50 na mão, querendo ter um pedaço seu de lembrança.

4) Isto é o começo e se voce fosse um Joào Gilberto ou um Roberto Carlos começando hoje, poderia contar com a sorte de ter um talento extraordinario. Mas sabemos que os talentos extraordinarios são obvios só depois, muito depois. Portanto, agora rale! Quer saber o caminho para chegar ao Auditório Ibirapuera? Ensaie, ensaie e ensaie. Esta resposta não é minha. Há uma constatação de que após 10.000 horas de prática não se percebe diferença entre o genio que nasce com o dom e o teimoso que persistiu, ambos demonstram o mesmo talento superior adquirido com as horas de estudo, repetição e atenção. Rale sem pensar em parar.

5) O que fazer com os direitos autorais nesse mundo em transformação? Boa pergunta e voce terá tambem de achar esta resposta voce mesmo. Dizem que artistas sempre viveram do seu trabalho e não de sua obra. Outros vivem de sua obra, os que ganham para representa-lo. Na prática o direito autoral está na mão de terceiros. Mas não deixe isto o afastar de nenhuma possibilidade de conseguir algum dinheiro pelo ECAD ou por alguem que o represente na hora de negociar trilha de filme ou de comercial, musica pelo telefone ou qualquer outra modalidade de uso da obra que venha a ser inventada, onde se vende um pacote grande, onde entra um dinheiro. O direito autoral é interessante quando consegue transaçoes maiores, significativas. Mas lembre-se de seu público e sua relação de amor intenso e desinteressado, não queira cobrar de seu público pelo desejo em ouvi-lo, não deixe que alguem pense em punir seu público, chama-los de piratas, essas coisas sem noção, jamais. Junte-se a pessoas capazes de entender isto na hora de escolher quem vai representa-lo. Cobrar de quem tem interesse comercial. Talvez seja necessario estudar um pouco sobre isso, para ter uma opinião própria, em breve será necessario mudar as leis que regem o Direito Autoral para adapta-lo a esta nova realidade e voce será chamado a dizer qual a sua posição a respeito. Por via das dúvidas, não perca o controle de sua obra, garanta que voce pode despedir seu representante para cobrança dos direitos autorais quando quiser.

6) Andar em bandos é saudavel e construtivo. Fazer juntos, de forma colaborativa, para conseguir vantagens para todos. Aprenda a fazer isto com a menor estrutura possivel, sem engessar, criar instituições, essas coisas. Não é mais necessario ter sede própria ou fazer assembleia para conseguir unir as pessoas com as mesmas idéias, definir uma agenda de trabalho e mandar ver, trazer cada um sua parte no mutirão. Os coletivos realizam de forma natural e simples, com a ajuda destas coisas que chegaram agora, os lugares compartilhados na nuvem, os meios de comunicação gratuitos, as redes sociais. A música, especialmente, se beneficia muito, porque se constroi e gera riquezas e empregos a partir apenas de pessoas, de criatividade, de conteudo, a partir de conversas, encontros, interação. Tudo isso é o que rola e circula pela rede e nas ferramentas, aproveitem bem.

7) Seja local para ser global, não é isso? Busque todos os recursos que podem existir no seu pedaço. Aproveite que ninguem mais sabe o que fazer com as radios e invada! Vá frequentar as radios e insista para que toquem sua música. Use as redes sociais e crie ondas para ligarem para o telefone das radios, azucrinarem se tiverem twitter ou orkut, fazendo pressão para tocar suas músicas para seu público. Será uma vitória de seu fã clube! Com os jornais, a mesma coisa, descubra quem conhece os jornalistas, leve-os para seu palco onde ferve, mostre a verdade que existe entre voce e seu público. É necessario que sua cena, o seu bando, os coletivos que voce pertence, todos ocupem estes espaços. Voces são as estrelas do seu bairro, os artistas de sua comunidade, os que irão mostrar ao mundo, depois disso, o valor que essa gente bronzeada tem.

... Escrevi isso assim de golpe, coloquei no blog "Peripecias do Pena", anunciei no twitter que @penas havia subido um texto e fui dormir. Nos dias seguintes, os comentarios e tuitadas a respeito, a rede funcionando, me fizeram acrescentar algumas coisas, depois de pedir licença ao Natale. A primeira é mostrar que todos nós hoje trabalhamos da mesma forma que Isaac Newton, um reformador do seu mundo. Ele reconhecia estar "sobre os ombos de gigantes", ou seja de todos que haviam construido antes o conhecimento, a mentalidade do seu tempo. Nào pretendo ser original, mas quero ser eficiente no discurso. O conceito de tele-horda está lá em algum lugar no meu twitter, com o texto de onde aprendi. Estudem e confiram que o mundo da música hoje se move quando se afasta de tudo que é centralizado, da linearidade e porque acabou com a separação entre centro e periferia. Malcolm Gladwell escreveu um livro sobre talento e concluiu sobre as 10.000 horas de prática, demonstrando inclusive com Beatles, procure. A @amandapalmer, uma cantora fazendo sua carreira seguindo estes principios que cito - mesmo sendo contratada de uma major - está permanentemente conversando com seu público sobre tudo isso, sobre se vender, sobre solidão na sexta feira à noite depois do show, sobre vida de artista. A Maria Rita, o Leoni, o Ritchie e o Leo Jaime, o André Abujamra, a Dani Gurgel, o Teatro Mágico, o povo do Fora do Eixo, eles se debruçam no twitter e ampliam e renovam os laços com seu público dos shows. Gente como @remixtures e @phonobase pesquisam e publicam diariamente o que se escreve e pensa sobre a reforma dos negócios da música. A tele-horda é culta e construtora de reputações. Muito pop.

Depois, imerso no exaustivo processo de ouvir centenas de músicas na seleção de artistas da Feira de Música Brasil, subitamente eu sacava do caderninho e anotava. Senhor artista, voce será julgado, avaliado, comparado. Voce precisa fazer tudo certo, e ainda tem de agradar aquela coisa de gosto ou não gosto. Sem comover as pessoas, pode parecer música, com rabo de música, orelha de música, mas não será música. Pergunte ao seu público, só ele vai falar a verdade com relação a isso, seu público será sincero, mesmo que doa.

Ainda nesse momento quando olhamos para muitos artistas, é possivel entender que uma carreira passa por muitas fases até se transformar numa profissão. É importante trazer fatos para sua biografia, para sua reputação. Concursos, premios, parcerias, colaborações ajudam a definir com quem andas etc mas não bastam. Uma vida na estrada, tocando todo dia, também não é suficiente para tirar voce do chão. Pense em quantas apresentações são necessarias, anos a fio, para ter apenas alguns momentos sublimes. Lembre-se deles, para repeti-los, grava-los, ser reconhecido por eles. Momentos sublimes, coisa de profissional.

Para uma receita de bolo já está comprido. Se voce se identifica ai por cima, benvindo à uma profissão de futuro. Para quem contrata, o bom artista é aquele que já vem com público.

Pena Schmidt
www.auditorioibirapuera.com.br

quarta-feira, 13 de maio de 2009

Por uma verdadeira Lei da Cultura.

Que o projeto a ser encaminhado consiga trazer as mudanças que irão fazer crescer a cultura do Brasil em todas as suas formas, das receitas culinarias à arte industrial das novelas exportadas, a música popular e os contadores de história, os museus e as instituições culturais com marca, as artes, os oficios e o sacerdocio.
Que o projeto traga esperança para os pequenos e regras para os grandes.
Que o projeto diga que a cultura é feita por autores, interpretes, artistas, intelectuais, poetas, comunidades e familias, nasce de pessoas e deve privilegiar quem respeita os criadores.
Que o projeto tenha lucidez para lidar com o comércio e a industria cultural, que ampliam o poder da mente criadora individual, mas que para existirem precisam do lucro, não podem por isso ser excluidos do fomento à cultura nacional.
Que o projeto inclua as empresas pequenas e as pessoas fisicas como contribuintes da cultura, por interesse mesmo que de marketing ou do ganho financeiro, porque estarão financiando a cultura local, a cultura periférica, que só os individuos e a pequena empresa podem perceber e avaliar.
Que a lei seja capilar e rizomatica, facilitando de verdade a entrada do produtor comum e do artista fora do circuito comercial, estes precisam de simplicidade e confiança no trato, como cidadãos da cultura.
Que a lei faça proliferar o interesse das grandes corporações pelo seu papel como gigantes da cultura também. Que nasça um instituto para cada bilhão de reais. As instituições perenes trazem processos de longo prazo, sedimentam o pensamento sobre a cultura, acalmam a turbulencia natural de tantos eventos pontuais, geram gestores, criam a cultura da cultura. Mesmo que carreguem marcas, porque apoiam a cultura.
Que haja bom senso para estabelecer critérios generosos para acolher tanto projetos quanto patrocinadores e que se criem, isto sim, obrigações que atendem e servem á cultura: o acesso, a pedagogia, a geração de empregos, a formação de público, a cultura duradoura.
Que esta discussão toda mostre que a cultura não pode ser , mesmo, só 0,6 do orçamento, 0,6 do tempo da presidenta, 0,6 do futuro dos jovens.
Saravá, projeto!

No site do Minc postei como cidadão José, preferi ser só mais um.

quarta-feira, 4 de março de 2009

Corda, árvore ou bananeira? Elefante.

È uma correspondencia sobre pensar música e os personagens são a Marcia Tosta, autora do "Os Donos da Voz" e o Juliano Polimeno, do Phonobase e que é uma pessoa semantica.



From: Marcia Tosta Dias
Sent: quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009 01:27
To: pena.schmidt
Subject: Desculpe, o anterior foi incompleto!

Querido Pena,
eu queria era enviar o projeto pronto. Mas como ainda não dá e pra você não achar que estamos por aí usando seu santo nome em vão, dá uma olhada na idéia que eu mandei pro Juliano Polimeno pedindo sugestões! Se for o caso já dá logo o corte ou o toque que falta.
BJS
Marcia

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A idéia é a de, aproveitando o quanto se pode a espantosa frase do Pena "eu estou aqui às ordens!" (vc viu, né?), propor a realização de dois debates nesse semestre, dando continuidade ao que se pensou ser a série Pensar Música (debates que acontecem num fim de tarde, no começo da semana, dirigidos aos interessados em geral e aos alunos da escola de música do AI). Depois daquela sessão inaugural e geral, quero propor que a gente detalhe um pouco mais as questões que achamos as mais importantes desse panorama em transformação que é o da produção e difusão de música gravada. Gostaria de evit ar, pelo menos a partir da forma como a discussão será proposta, a polarização do debate entre "apocalípticos e integrados", como te disse. Peço então a sua ajuda, o seu palpite, sugestões sobre esses temas.
A primeira idéia que apresentei ao Pena para a primeira sessão, sem no entanto ter finalizado, proposto nomes, quer refletir sobre o trabalho do produtor musical na atualidade. Isso significa refletir sobre o passado (e é claro que estou pensando nas biografias de que falamos) e sobre esse legado vis-a-vis a transformação atual. Seria o fim do trabalho desse agente social da coisa, o que se ganha tendo um bom produtor musical no processo de produção de um disco, seja lá onde ele for feito? E que se perde? Seria exemplar para o lance a contribuição de um cara como o Mazzola (vc leu?) que tem uma trajetória grande nas majors e depois faz uma pequena, e escreveu um livro, etc. o meu sonho é com o Midani, mas não sei se é viável... e eu semp re quis muito, mesmo se parecesse ser modesto (e pára aí a música!!!) Mas temos que conversar com o Pena pois várias sintonias tem que ser organizadas aí. Então, peço sugestões. Poderia ser o Mazzola, o Pena e um mestre de cerimônias e por aí podemos ver. O que vc acha?
A segunda sessão proporia o seguinte desafio: dois convidados (quem?) com condição e coragem de enumerar sistematicamente 10 itens entre perdas e ganhos trazidos pelas transformações contemporâneas no panorama da produção e difusão de música gravada. Olha aí, ficou até bonito!!!! O objetivo: levantar as questões de fundo, fugir das polaridades exageradas e contribuir com o exame e o debate de maneira didática e mais organizada. A questão: quem chamar????? É o que eu te pergunto!



qui 19/2/2009 22:38

Caros Marcia e Ju

Como ando tuitando loucamente e o assunto sempre vem, estou preparado para reagir ao ser cutucado, abro a wikipedia.

Sejamos enciclopédicos, escatológicos, semióticos e hermeneuticos, completos porem simples e modestos...

É mais que a produção e difusão da musica.
Estamos falando da transformação atual da sociedade, uma mutação de “fim de mundos”.
Vamos usar a Música, que já conhecemos, para pensar sobre o mundo, para entender como fica?
Vamos entender a Música como arauto do resultado da transformação? Que no fundo somos os mesmos, com melhores ouvidos.


Quais são estes 10 itens que fatiam o salame?
A partir desta lista surgirão as diferentes descrições de cada fatia a partir de cada ponto de vista.
Esta lista existia antes, analogica, continua existindo digital e continuará existindo sem fio.

Por exemplo:
Criação como ponto de partida
Interpretação como caminho do artista
Fixação como surgimento da obra
Distribuição como transporte da obra
Exibição como encontro com o espaço
Fruição como o encontro com o público
Catarse como o efeito no público
Partilha como o reconhecimento entre o público
Fundação como o alicerçamento na memoria coletiva
Recriação como o ponto de chegada, o ombro dos gigantes

Que gera um novo ponto de partida

Pronto deu dez!
Podem ser outros dez ou outros nomes e podem ser divididos mais para cá ou mais para lá, mas este percurso persiste. Sim? Concordam?

Daí é descobrir a maneira eficaz de como pedir para as pessoas, inclusive o público, contribuir com sua visão, opinião, percepção de cada pedaço ou da relação entre os pedaços. To afim de crowdsourcing.

Se não organizarmos o fluxo o transito pára, caimos no ideismo achistico atual, essa coisa de só termos passado, só conta a experiencia do passado, o vinil, a gravadora versus o futuro da música, a morte do Cd, a cultura livre, o próximo orkut. Tira o “versus” daí e vamos botar um “vezes”, de multiplicado por.

Assim, esta discussão pode ter um lado menos enfatico na História da Arte, de como eram as coisas que Pena, André, Mazzola, Lima, Zuza viram, sem desrespeito, mas também em como criar, interpretar, produzir, distribuir hoje, para quem, com que resultados. Os meios, modos e métodos podem ser os mesmos? Como aprender a ter senso crítico para saber o que serve e o que não serve? Há uma ética musical? Sinceridade ou Técnica?

Ainda, onde estão as profissões hoje, neste percurso? Quem são os agentes e o que eles estão fazendo, em que partes do percurso?

Cada vez mais encaro a produção musical com diferentes qualificativos.
Produção musical para o futuro, e não para o mercado. Não vejo o mercado, aquele mercado fonografico de cópias e imagem irradiada, participando do futuro. Não descrevo o que vai acontecer porque nem imagino, mas com o que vemos hoje é possivel dizer que já não é mais, certo? Produção musical para o futuro, sabendo identificar o tal percurso e sabendo percorre-lo. Trabalhar para o público, administrar recursos para encontrar o público, saber se conectar com o público, apresentar seu trabalho de forma consistente, cada vez melhor. Vejam que não há muito mistério em realizar as coisas, a produção como técnica virou linguagem corrente, os equipamentos baratos funcionam produzindo resultados de qualidade, som é commodity. Gravar nem se fala, editar, mixar, adquire-se resultados premium pela pratica diaria que o notebook garante. Em 1980/90 um produtor de sucesso usava 2000 horas de estudio por ano. Qualquer menino passa 3000 horas/ano com o mouse na mão, manipulando sons com muito mais eficiencia, as tais 10.000 horas de prática que definem os talentos se fazem em tres anos, todo mundo. Fiz meu ponto sobre produção de estudio?

Resta esta forma da rede, mais holistica, mais social, mais abrangente de ser artista e conseguir reverberar. Radiohead quer bebedouros para encher suas garrafinhas de agua. OK, são os mesmos que perguntaram quanto voce quer pagar. Os eruditos que vão participar da Orquestra do YouTube. As mil quitandas de música que se formam na rede, movidas a banco de dados, tags, catálogos infinitos, recomendações e semelhanças, e que vão criar uma nuvem de músicas, goticulas culturais mudando de aparencia com o vento. O produtor musical será alguem que encoraja o artista a viver nesse mundo real, das pessoas entrelaçadas por bits, partilhando.

Resta o público e sua cultura, a velha cultura do passado, de raizes fundas que todo mundo canta ou bate o pézinho, a cultura pop do RTV, LP, CD e K7, mais o que se ouviu junto por ai, tudo isso que já está lá dentro do público, tudo isso pode fazer parte do que se usa para produzir música que reverbere hoje para garantir seu lugar no futuro.
Opa! Nessa hora, a História da Arte fica importantíssima! O produtor agora precisa ouvir, outras 10.000 horas ouvindo tudo, não é só uma questão de opinião, mas de conhecer o que está lá dentro de todo mundo. Antes alguns programadores de radio com este papel iluminavam o caminho.

Resta o espetáculo, o momento da verdade, que precisa de forma, roteiro, acabamento, ritmo, carpintaria, humor e drama, é o mesmo espetáculo fazem 40 mil anos de idade, uma flauta e uma fogueira. Como público eu e voces sabemos que funciona, ou não. A produção musical, ofuscada pelo brilho das lampadas, não fez da produção de espetáculos uma ciencia, nem mesmo um artesanato. Zero, nada consta, não se fala que é preciso produzir, como em construir, um espetáculo musical, nada além de um rol de roupa, um ritual burocratico, o rooming list, rider de som e luz e o “roteiro/programa” de músicas... As lampadas acesas farão o trabalho de ligar a imaginação do público, como as chamas na idade da flauta de osso furado. Vejo aqui uma fratura exposta.
A música perdeu-se em algum lugar, achando que eram apenas sons organizados e basta. Não basta. É preciso um maestro e sua varinha de condão para nos fazer acreditar na mágica. Foi preciso uma industria inteira apoiada na imagem e no texto, na lenda pop, para nos fazer ouvir e acreditar no vinil. O espetáculo faz parte do trajeto e está a pé, fora da rede, não mapeado, não discutido, não experimentado, não praticado. As exceções comprovam a regra. O produtor musical de futuro precisa começar suas 10.000 horas de produção de espetáculos.

Bem, eu me empolguei, e me deixei levar. Temos de pensar em como dizer isto para os alunos da Escola do Auditório. Estou tateando o elefante: corda, árvore, bananeira.

Marcia, não sei se ajudei. Pior, vou postar.

Abs

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Como era O Futuro da Música, em 2004

"Aos sócios da ABMI

MIDEM 2004

Estive no MIDEM em fins de janeiro último, a convite da BM&A, representando a ABMI.

Abaixo, os tópicos que anotei durante o evento, com comentários atualizados.



1) A fachada do Palácio das Exposições foi o prenúncio. Os novos aliados da música estavam presentes em grande estilo. A Apple veio dizer que 10.000 músicas cabem no seu bolso. A Microsoft tinha uma ilha bem no meio do corredor central, mostrando 30 modelos de players digitais de até 40GB, todos minúsculos e já a venda. Haja música. Ponto importante, a maioria destes sistemas toca mp3 livre e formatos protegidos com DRM, que agora estarão competindo entre si.

2)Temos uma batalha de formatos em pleno curso:

♪ O mp3, considerado universal e simples, mas que não tem um modelo de negócios, como cobrar pelo conteúdo. Os sites de venda de mp3 ainda não tem resultado financeiro. É defendida pelos que acreditam em modelos de cobrança centralizada, taxa nos players ou no uso da Internet, p.ex. para ser distribuída aos donos do conteúdo. Não carrega muitas informações além do nome da música, álbum e artista.

♪ O formato AAC, do padrão mp4, com DRM da Apple, que é usado até agora só pela Apple em sua iTunes Music Store. Compete pela qualidade e melhores informações dentro do arquivo, o chamado metadata ou audiodata, acrescentando informações sobre autores e selo.

O formato WMA da Microsoft, cujo DRM é o mais difundido, o nosso iMusica e a maioria das lojas de download estão usando. Exige Windows.

A Sony defende o ATRAC, sistema de compressão já usado nos MiniDiscs, recentemente lançou o serviço Connect Music Store, de venda de download protegido com seu DRM, com o objetivo de vender Minidiscs com seis horas de música. O repertório é uma evolução do projeto So-Net, conhecido da ABMI, com ênfase em independentes.

3) O MIDEMnet, um seminário dedicado às coisas da Internet, que acontece no dia anterior num auditório de 800 lugares – estava lotado pela primeira vez em cinco anos que se realiza. Pela temperatura dos debates e pela importância dos participantes, dá para dizer que o futuro do MIDEM e da própria indústria fonográfica que estava se desenhando ali. Na platéia, metade eram produtores fonográficos e a outra metade eram os novos parceiros em todas as suas variantes. Os painéis, debates e apresentações traziam novas idéias e conceitos que precisam ser digeridos pela indústria.

4) A apresentação do chefe da loja iTunes da Apple trouxe noções importantes.

O consumidor típico gasta 9 dólares numa visita. O maior comprador gastou 23 mil dólares e foi procurado pela Apple, que descobriu um cidadão normal, que comprava música para toda a sua família regularmente e achava isso um excelente investimento para seus filhos.

As maiores vendas refletem a parada de sucessos do rádio, até então não havia nenhum sucesso da Internet, mas estão fazendo força para conseguir isso, buscando material exclusivo. Os artistas estão aceitando muito bem a idéia de lançar com exclusividade no iTunes Music Store. O top 100 representa 10% das vendas.

Com a versão para Windows do software player de musicas iTunes a Apple dobrou a velocidade de vendas na loja. Até janeiro somente usuários de Mac conseguiam comprar.

A Apple não tem lucro operacional significativo com a loja, é apenas um “killer application” vendedor de iPods, que tiraram a Apple do marasmo de vendas, 700 mil vendidos no Natal de 2003. O iPod tem 30% do mercado de players e cresce.

Importante para os Independentes: as vendas são horizontais, de 400 mil músicas, 95% vendeu pelo menos uma vez por mês, ou seja, há publico para todos os gêneros e artistas. Resta saber se continuará havendo ampliação do catálogo ou se irá haver uma busca do sucesso, já que há um custo em se manter uma base de dados tão grande. A Apple não tem esta resposta.

♪ Na opinião da Apple, o grande desafio será conseguir a interoperabilidade entre todos os formatos e players.

5) A grande surpresa anunciada foi a presença maciça da indústria dos celulares, chamados de mobile, devidamente representados por executivos de alto nível. A importância do setor pode ser medida pelo tamanho do mercado: em 2007 serão 1,5 bilhão de celulares no mundo e 500 milhões de usuários de Internet. (Em 2005, no Brasil, se espera que haja 20 milhões de usuários de Internet e 50 milhões de telefones celulares.) Todos os fabricantes – Nokia, Motorola, Siemens coincidiram em seus pontos de vista.

Depois de fotografia no celular, a próxima aplicação desejada em primeiro lugar pelo consumidor é Música, de muitos modos e com muitas possibilidades. Todos os novos modelos apresentados tocam música com qualidade de áudio, os truetones. A Nokia mostrou seu aparelho que já tem um rádio FM e mostrou um sistema em que a rádio FM transmite dados e se comunica com o ouvinte pelo aparelho, podendo fazer, p.ex. escolhas entre três músicas on-line, com o usuário votando no seu telefone.

♪ Outras possibilidades são a incorporação de memória ou mesmo HDs, para se carregar a coleção de músicas no telefone, ou ainda, comprar pelo telefone a música que se ouve no rádio, que será descarregada pelo computador em casa. As tecnologias estão prontas.

♪ Todos os fabricantes estressaram que toda música que circular por celulares será protegida com DRM, sem trocas de músicas entre aparelhos.

♪ O telefone vende sucessos, porque não é o lugar para se pesquisar catálogos. O consumidor quer alcançar o que deseja em três clicks. A não ser que o rádio seja usado para mostrar as opções da diversidade.

6) O grande tema que deverá ser discutido nos próximos meses é a estrutura de autorizações (copyrights) que existe hoje, desenvolvida nos últimos 50 anos para a distribuição de músicas em lotes de 14 músicas em cópias de plástico – o CD e antes disso o LP. Grandes barreiras impedem o crescimento destas novas distribuições – download, ipods e celulares. A Apple confirma que tem a sua loja voltada apenas para residentes nos USA, por falta de acordos coletivos com os detentores de Direitos Autorais na Europa e no resto do mundo. Cada país tem sistemas diferentes e é inviável a negociação com cada proprietário ao se montar catálogos com centenas de milhares de músicas. A Microsoft, através do MSN, está projetando a abertura de uma loja, mas enfrenta o mesmo problema. A Sony optou por valorizar a captação de independentes para sua loja. O Napster disse que está montando uma estrutura legal para cuidar disso, mas confirma que dificulta a entrada de repertório.

7) Ainda no MIDEMnet, algumas apresentações se destacaram, como a empresa que montou uma unidade móvel de fabricação (queima) de CDs em shows, capaz de entregar 400 CDs 8 minutos depois do final do show e que já está participando de grandes shows, com vendas de 4 mil discos. Outra iniciativa interessante é a da maior empresa de conteúdo para celulares do Japão – ringtones, figuras, animações e vídeos, que montou um selo para produção de música a partir dos celulares. Veja Temas de ringtones são desenvolvidos por DJs, que depois criam remixes e versões musicais destes temas. Estas músicas circulam no ambiente dos DJs, as casas noturnas, e fazem sucesso quando o público saca seu telefone e remixa suas campainhas com a música que o DJ está tocando. O objetivo é levar estes sucessos para o rádio. Outra empresa mostrou soluções para levar a sua coleção de mp3 para serem tocados no rádio do carro.

8) Fica a impressão que a música tem muito a ganhar com estes novos aliados, que abrirão um mercado real muitas vezes maior que a venda de CDs. A Internet tem mostrado que o público de forma nenhuma perdeu seu interesse pela música, mas a industria terá de achar um novo ponto de equilíbrio entre os diferentes fatores, trazendo mais música por menos dinheiro, garantindo a qualidade sonora, criando condições para que com dados confiáveis se organize melhor as coleções de música, e principalmente garantir o fluxo da inovação tecnológica, da renovação de repertório e o acesso à diversidade e aos novos artistas.

Os novos aliados trazem uma mudança nos ventos que inevitavelmente vão alterar o curso da economia da música.

Primeiro porque são forças gigantescas comparadas a indústria fonográfica. Foi dito lá que todo o orçamento de publicidade da indústria fonográfica é igual ao orçamento de marketing da Apple, que por sua vez é apenas 1 ou 2 por cento do tamanho da Microsoft. Estamos falando dos líderes de tecnologia.

Segundo, os novos aliados têm todo interesse em usar a música mas são unânimes em dizer que não querem comprar o negócio, não é o ramo deles.

Terceiro, aparece a possibilidade destes aliados financiarem a circulação da música, porque lucram na venda de seus produtos e serviços e não na venda da própria música, da mesma forma que os anunciantes viabilizaram a universalização do rádio e da TV.

E finalmente, porque se trata de uma questão estratégica de Estado, da permanência das culturas nacionais. Seja qual for o modelo da indústria daqui a cinco anos, se ele não permitir a nossa sobrevivência como produtores independentes, teremos perdido a batalha como nação.

9) E este último ponto traz a seguinte observação: as nações estão se mobilizando para participar da evolução da indústria da música. No MIDEM, era notável a presença dos estandes nacionais e das iniciativas como o governo francês anunciando que irá tomar medidas para facilitar os acordos coletivos. Diversos países europeus estão montando agências para a exportação e fomento de suas músicas, criando organismos para definir regras e padrões comuns de negociação e tecnologia, para resolver estes gargalos.

10) O CD não morreu. Ainda é o formato da maioria e deve durar uns bons anos, antes de perder seu lugar como veículo de música. Em 2003 circularam 30 bilhões de músicas no formato CD.

11)O MIDEM é movimentado por pequenos selos procurando e oferecendo músicas de segmentos, como é a música brasileira, o jazz, a produção independente mundial e estes selos prioritariamente vendem CDs. Os selos mais organizados desenvolvem campanhas de marketing alternativo que acompanham o licenciamento ou venda de seu catálogo, sempre apoiados nos lojistas especializados, com material de ponto de venda, vídeos para lojas etc.

A conclusão é que produzir música é o cerne do negócio e que iremos circular e distribuir essa música por mares nunca dantes navegados. Vamos ter que rever o papel do marketing e da divulgação, para variar.

Grande abraço.

Pena Schmidt

Maio de 2004"

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Twitter em Portugues = bemtevi!? Ou piu!?

As questões gramaticais tem me atraido o mote. Sem hifen, com o ene no lugar do eme, fica mais eficiente assim: bentevi. Seria a minha melhor tradução aqui na terra onde gorgeiam os sabias para tweeter, da palavra tweet! um onomatopaico para um passarinho pequeno assustado, o pio, mas pensando bem, na lingua dos GBs, os comics, fica melhor como piu.
O que voces acham que melhor reflete o Twitter? Bentevi ou Piu?
O Bentevi tem um chamado, um sinal com resposta e o Piu parece só uma exclamação assustada, quase um ai ou ui...

Coisas que nos fazem pensar. Deviamos antropofagicamente deglutir estas invasões e devolver o resultado à terra, como adubo. Transformar em um simbolo indígena, do território dos bentevis, um pio de pardal, apesar de estrangeiro este. Mas não, vamos aderir sem pensar neste detalhe que enche de significado, um detalhe rei numa terra de coisas minimas. Vamos sair por ai tuitando sem parar, felizes, sem perceber que o twitter, se fosse bentevi, soaria familiar e brasileiro, a frase curta do pixo, da porta de banheiro, do parachoque de caminhão, do bilhetinho passado de uma carteira escolar para outra, o recado que cabe no verso do cartão de visita, o pedaço de folha embaixo da porta. O bilhete que o Arnesto devia ter ponhado na porta, aquele que dizia assim:

ói, turma, num deu pra sperá/A vez quisso num tem portância, num faz má/Depois qe nóis vai, nóis vorta/ Sinado em cruz porque não sei screve

com os exatos 140 caracteres que cabem num tweet, ou num piu, como prefiram.

Se voce ainda não foi, vá, registre-se no twitter.com, invista um tempinho para correr o trecho, se familiarizar com as regrinhas muito simples, e vá adicionando pessoas que voce vai seguir a pista, voce vai ler tudo que eles resolverem escrever no seu dia dia no bentevi twitter. Emita seus trinados, para contribuir na aparente cacofonia, veja bem, aparente porque nós da selva sabemos muito bem ouvir o bentevi numa algazarra de pássaros da mata. Garanto. Emita um pensamento, uma observação do seu mundo, um palpite, um comentario alto como no bar, sabendo que os outros sabem que voce está comentando os maus bofes do fortão que saiu ou as coxas grossas da morena, ou o jogo mudo na TV. Saberão do que voce fala, funcionamos assim. Eu estou na primeira semana e já sei participar, já escolhi umas dezenas de participantese emito um ou dois trinados por dia - não precisa de acompanhamento tipo tamagochi, robos de falta de carencia que exigem um afago a cada 3 minutos. Uma ida aqui e outra ali, só para acompanhar o movimento, uma olhada de cima no movimento da padaria.

Se quiser me seguir , e saber quem eu sigo e quem me segue, procure @penas, este sou eu.

Passei a saber de coisas assim:
Estou solidario com a Flavia Durante e sua captura de um apartamento.
A Adriana terminando seu paper sobre plataformas de música, já pedi para dar uma olhada e ela disse que só depois que publicar. Ta certo.
O Trent Reznor avisando que vai entrar numa outra balada que não é o NIN. Hoje avisou que já iam começar a ensaiar e gelei, vou ser cumplice.
O Cory Doctorow, autor do "Little Brother" que acabei de ler e blogueiro do BoingBoing que acompanho há bastante tempo, é ouvido pelo @doctorow e passou o dia hoje numa conferencia chamada ToC - Tools of Transformation for Publishing, capturando o que se dizia e enviando um piu toque a cada cinco minutos, um filtro super potente para jogar fora a dialetica e o bullshit e ficar só o que era dito de importante. Pode acreditar que me empurrou aqui, para escrever isto. Porque ele passou o dia informando que os livros, as publicações estão enfrentando sua hora de verdade, como já aconteceu com a industria fonografica e o resultado do embate com a tecnologia pode ser diferente para livros do que foi para discos. A copia faz bem para os livros, eles ja falam isto alto. Os livros eletronicos estão ai e os autores vão brigar por eles. Uns nao querem que o livro eletronico possa ser lido alto pela maquina de ler, o leitor da Amazon Kindle 2. Foi um dia bem informativo, mesmo pulando detalhes.
Tem o Miguel, de Portugal, que é um blogueiro profissional que acompanha um universo bem parecido com o que me interessa, musica, distribuicao, copyrights, direitos autorais, novas formas de participar na industria fonografica essas coisas. Ele traduz muita coisa e manda um resumo de tudo que publica ou que acha de interessante no @remixtures, seu apelido no twitter.

Tem mais gente dizendo que está gravando as bases, mostrando as musicas que está ouvindo, espalhando os links interessantes que acham por ai.
Parece bom para a musica, para os musicos, para o publico.

Eh util, como toda comunicacao na mata.
Em algum lugar perdi os acentos do portugues e fiquei cansado, buenas.

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Vendem-se artistas ou vende-se artistas?

Monteiro Lobato propos esta questão gramatical, " ferram-se ou ferra-se cavalos"? Como ficou depois da nova reforma ortográfica? Quem souber me esclareça, por favor.

Artistas estão à venda, esta é a conclusão do debate por estes ultimos dias, com materias na grande imprensa paulistana repercutindo um assunto que transbordou o covil dos filósofos do fim da industria fonografica.

Um artista estará se vendendo quando estabelecer um relacionamento com uma empresa, que poderá fazer uso de sua obra e sua imagem? Músicas que viram jingles, artistas patrocinados, essas coisas.

Propaganda, arte, mercado e integridade artistica, o debate é anterior á Escola de Frankfurt, a arte serve algo ou alguem? Não sei, nem os 50 anos de furiosa critica a isso tudo da turma de Frankfurt tão pouco respondeu, portanto, não vamos morder este biscoito.

Vamos lidar com alguns fatos que iniciaram a pauta.
No Midem, analistas do negócio da música apontam uma tendencia, a aproximação de artistas e empresas, jingles e patrocinios que envolvem privilegios para os clientes, faixas que podem ser ouvidas com exclusividade, o celular da Mallu Magalhães, o jantar do Pão de Açucar com seu Jorge dando canja, são alguns exemplos recentes por aqui.
Como sempre, começa porque havia um press release puxando a cobertura para seu lado, a Bacardi e o Groove Armada anunciando na feira da música o lançamento do album gravado na vigencia de seu patrocinio pela Bacardi, um relacionamento que havia sido lançado em 2008 como um "contrato de gravadora" com a Bacardi, modelo inédito.

Depois de um ano de shows de patrocinio na estrada, sucesso, sai o album. Até ai tudo bem, mas parece que o departamento de marketing resolveu participar das festividades e desenvolveu um projeto para a distribuição do disco que é um primor de confusão, baseado em orkuts, piramides, premios de milhagem e incentivo. Ficou tão complicado que não entendi, apesar de ter lido, em portugues no excelente site Remixtures, (que recomendo seja seguido de perto, são prolificos e o Miguel traduz quase tudo. Ora pois, o Remixtures é de Portugal. Salve Miguel! ) Posso me enganar, o que afinal é prova de minha infalibilidade, mas esta distribuição de música com tentativa de "fidelizar" clientes de rum não vai funcionar, podia ser mais simples.

Toca o telefone e me perguntam se artistas podem fazer isto sem se queimar, se isto afinal faz algum bem?

Anotem: sim pode, pode funcionar, pode dar certo, pode expor a obra dos artistas a um público novo, pode financiar a obra artistica, pode ser bom para o artista e para a arte. É uma oportunidade pela qual o artista luta e se escraviza, mostrar sua obra.

Desde que, anotem: a obra já exista, por exemplo, e seja aproveitada como jingle ou trilha de filme, uso justo e bem digerido, licenciamento. Um pouquinho de bom senso em não se transformar em simbolo de porcaria, mau gosto, falta de noção e outros pecados que não incomodam o marketing. Saber dizer não é necessario para manter as aparencias, pelo menos.

Também pode dar certo atender uma encomenda, criar para atender um briefing, escrever uma musica para um slogan, colocar seu rosto num filme, mas ai separam-se uns dos outros, os adultos dos meninos, os espertos dos que se acham. Saber criar comercialmente e continuar assinando para a posteridade é coisa de Michelangelos ou Mutantes. Muito juizo! A publicidade está cheia de bons artistas que preferiram ser anonimos, mas bem vestidos.
Ainda, não há cuidado e atenção que baste para lidar com o fato que o marketing vai mandar em tudo, vai tomar as decisões e ultimamente vai te respeitar ou não como artista. O risco existe e por isso é preciso cobrar caro, só por isso.

Na agenda do musico de hoje esta possibilidade ainda precisa ser escrita e para dar certo, todo o resto precisa estar fluindo, o agente, os shows, o disco, a relação com os fãs, com a imprensa, o trabalho novo, a viagem ao exterior, o espetáculo no Auditório Ibirapuera, o blog, o twitter e levar o cachorro para passear.

Toca de novo o telefone, agora querendo saber o que as empresas podem ganhar com isso, qual o ponto em se envolver com essa coisa tão sutil e encardida? A resposta certa é: muito, e no bom sentido.

Senão vejamos, sigam anotando:
Já aprendemos que patrocinar o esporte é perigoso, pode-se perder! mesmo tendo pago milhões para entrar no uniforme, perder no jogo não significa prejuizo para a imagem do patrocinador. (Quem pode dormir num mundo onde valem regras como essa?!) A vida continua mesmo na segunda divisão etc. Todos tem seu patrocinio, pela visibilidade, pela simpatia e boa vontade, esporte é legal e portanto todos os patrocinadores do esporte são alguma coisa mais bacanas que seus concorrentes que não patrocinam esporte, não é?
Pronto, podemos racionalizar o fracasso de bilheteria, de critica, talvez a prisão por drogas ou o divórcio em público, que são as derrotas quotidianas que ameaçam os artistas da música. As empresas não precisam ser tão conservadoras e ressabiadas, tudo bem, o público entende que o artista é maior que seus percalços.
Artistas da música geram boa vontade, simpatia e visibilidade. Mas tirando aquela meia duzia de estrelas que tem público cativo, não existem muitos artistas com suficiente visibilidade, a maioria está num limbo onde se confundem uns com os outros, não consigo identifica-los. Pois é.

Oportunidade numero um, saber escolher novos artistas que tenham identidade e personalidade adequada ao trabalho que se espera deles, de serem identificados pelo público e reconhecidos como bons artistas, graças ao patrocinador, este simpatico. Não serve qualquer artista, precisa ser bom e é dificil saber identificar um bom artista, há fé envolvida nisto e os melhores profissionais que o dinheiro compra (fau!). O artista não precisa ser famoso, nem milionario, nem tão lindo, mas precisa já ter sido chamado de artista, ser uma referencia na paisagem, como os carecas, isto se chama mostrar algum talento. Exemplos canonicos: anuncios que lançam ao mundo gente desconhecida ou não famosa, que por alguma qualidade X se fixam nas pautas, vejam os novos nesta lista de músicas de comerciais da Apple e aqui se fala dos efeitos positivos para ambos artista e empresa.

Oportunidade numero dois, aproveitar que já que o mundo se segmentou, depois da pedreira agora vamos espalhar areia, disse D.Erika. Artistas e seus nichos, pontaria a laser, basta saber apontar e as empresas podem falar com as tribos, sem ruido, diretamente, através de artistas que tem esta sintonia.

Oportunidade numero tres, o mercado da música tinha dono, 80% de tudo da música era de quatro companhias que faziam gestão extrativista. Aqui entre nós, hoje eles são donos de 100% de quase nada do que vale a pena hoje, incluindo o conhecimento, a sabedoria, a chinfra do show biz. Chico Buarque e a Madonna não trabalham mais para eles. Menos pedagios para participar. A hora é boa.


Então, ficamos assim, se os artistas e as empresas souberem se posicionar da forma correta, respeitosa, ética, vamos todos prosperar. Assim é fácil, gritaram. Mas é assim mesmo que deve ser, não basta o dinheiro ordenar ou as musas ficarem de mau humor, há um espaço de convivencia, no sentido mais feng shuei, uma area enorme de sucesso possivel entre música e artistas, marcas e empresas, regida pelos novos ventos que sopram hoje e vamos arrumar as velas para eles. Em frente.

Acrescentando em 7 fev 09: Tem mais angulos no assunto e vi algumas coisas bacanas. John Parelles, critico de música do NYTimes em 24/12/2008 já havia publicado um artigo, meio melancolico vespera de Natal, tipo deixem a minha música em paz, gosto de ouvir sem distrações, no carro ou no fone de ouvido, sem nenhuma marca por perto de minha música. "Desligue tudo, ponha uma música, feche os olhos e escute". Ei garotos, talvez tenha sido esta a semente pauteira aqui na pauliceia, não é mesmo?

A frase provocante é "Apparently there’s no going back, structurally, to paying musicians to record music for its own sake", tipo não há mais como voltar a viver apenas da música gravada.

Tudo bem, mas garanto que não é o fim da música gravada, que pode sim estar deixando de ser um negócio e vai se transformando numa linguagem artistica, como um dia já foi a música de piano, tão importante.

sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Virgin Music Unlimited: tiro no pé com precisão. No gatilho, Sony e Universal, suicidas.

Pode pesquisar: Virgin Music Unlimited. A história já ferve pela rede.

Pelo que entendi, teria sido um projeto capaz de virar o jogo, na Inglaterra pelo menos, mas com certeza apontaria pro resto do mundo uma direção para se escapar dos crueis impasses que estão cristalizando o fracasso da industria da Música.
Simples, uma assinatura com um provedor de banda larga cujo preço incluiria toda musica que voce conseguisse baixar , e tambem copiar, emprestar, colocar em torrents, enfim fazer o que se faz por ai todo dia, mas com um preço embutido, algum dinheiro sendo recolhido para a Música pela circulação gratuita de arquivos.

Lá dentro do provedor, uma tecnologia que já custou milhões chamada de Pacotes Profundos seria capaz de acompanhar quais músicas estariam circulando, mesmo criptografadas, identificando e gerando um relatorio de uso, e assim o dinheiro da música seria distribuida proporcionalmente aos respectivos detentores dos direitos autorais e fonograficos. Faz todo o sentido, a lógica é exemplar, por seguir o mesmo raciocinio existente hoje, com os ECADs distribuindo royalties de acordo com a circulação da Musica, proporcionalmente ao uso e as fatias de cada dono bem estabelecidas, os representantes de autores, interpretes, produtores e músicos acompanhantes.

Era a primeira forma de conseguir captar e distribuir algum dinheiro com a música que circula de graça.

Fazer funcionar este sistema teria sido uma façanha tecnológica digna do passado de empreitadas de sucesso da Virgin: a primeira megastore ainda no tempo do vinil, uma gravadora que aprendeu a virar empresa de transportes com trens e aviões rock 'n' roll, dona de festivais de verão, telefonia celular, banda larga e passagens de avião para o espaço. Eles teriam muque para esta função. Depois de escalar o Everest e entrar em órbita, Sir Richard Branson ainda precisava enfiar a lança no dragão da indústria fonografica na internet.

Algumas semanas antes do lançamento previsto do primeiro P2P pago, ainda com o nome Virgin Music Unlimited, desembaraçando o nó dos direitos autorais e das licenças com as gravadoras, editoras e arrecadadoras de direitos autorais, tudo caminhando para o inicio do processo, e de repente, pimba! Mirando no próprio pé, duas majors trazem condições novas para o jogo e inviabilizam o conceito.

Em vez de liberar, consentir no trafego de músicas para gerar mais adeptos para o sistema, em vez de incentivos, a Sony e Universal preferiram usar o mecanismo capaz de identificar as músicas para brecar quem estivesse usando suas músicas indevidamente, para poder processar os usuarios que fizessem uploads num P2P pago. Bizantino, mas continuam no emprego.

Sir Richard preferiu abortar o lançamento do VMU, sem concordar com a sugestão. Há esperança que se retomem as conversas, mas oficialmente se anunciou a morte do projeto.

Assistir a este filme de longe, quase no carnaval, dá vontade de empinar pipas.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Creative Commons na Casa Branca

Assim que assumiu Pai Obama mandou todos os marajás e barnabés nomeados assinarem um compromisso com a ética, banindo do governo coisinhas obvias tipo receber presentes ou continuar a dar consultoria para os antigos clientes ou patrões.
Depois, revogou uma ordem de novembro de 2001, do tempo que ainda saia fumaça do chão das torres gemeas, quando se criou uma cortina de segredo sobre todas as atividades do governo federal americano, algo que ele julga desnecessario hoje, portanto a ordem agora é transparencia total. Segredos precisam ser justificados.

E para dar o exemplo, trocaram imediatamente o site da Casa Branca que agora reflete praticamente o site da campanha, que virou site do governo em transição e agora é o site do governo. Todas as promessas de campanha estão lá, devidamente organizadas e atualizadas, com datas e metas. Nào é marketing, é agenda de governo, explicando como vamos fazer em cada area, quando e por que.
Todos os decretos e deliberações do presidente serão expostas ao publico no site por 5 dias para que se possa opinar, ainda há um blog do governo e por ai vai. O tema da mudança vai cansar um dia, mas enquanto isso, é mudança palpavel, mesmo que escrita até com as menores letrinhas.

De forma discreta e minuscula, no pé da página do site da Casa Branca, há um menu de serviço, onde aparece o item "Informação sobre Copyright", entre Acessibilidade e Privacidade. Ronaldo Lemos havia me dado a pista ontem à noite, no lançamento do livro Tecnobrega dele e do livro que participo, O Futuro da Música Depois da Morte do CD. Vai lá, pode clicar disse ele e acredite se quiser. Surpresa! A Casa Branca aderiu ao modelo Creative Commons de proteção à propriedade intelectual para as participações de terceiros, o seu palpite registrado sobre algum assunto será livre e gratis para todos. O conteudo oficial não tem nenhuma proteção, nem CC, e pode ser usado livremente para trabalhos de escola ou pela editoria internacional dos jornalões.

Está lá, nas menores letrinhas, no fundo da página, diz respeito apenas às participações de terceiros, mas é uma licença Creative Commons.

Chama-se liderar pelo exemplo.

Subitamente, é necessario voltar a falar do assunto, tentar entender melhor o que quer dizer Creative Commons e tentar entender porque Señor Obama liberou geral desta forma, e não de outra.

No item Tecnologia de sua plataforma eleitoral transformada em programa de governo, está lá bem claro que ele se dispõe a Reformar o sistema de patentes para fortalecer a Inovação e a Colaboração. Lá está dito que ele pretende dar um update no sistema de copyright, onde se incluem os Direitos Autorais. Vou colar:

Protect American Intellectual Property at Home: Update and reform our copyright and patent systems to promote civic discourse, innovation, and investment while ensuring that intellectual property owners are fairly treated.

Obama San é um ser letrado, autor de dois livros, respeita os investimentos e recebeu publicamente o Professor Lawrence Lessig para conversar antes da posse. Dr. Lessig é Professor de Harvard, advogado constitucionalista, criador do Creative Commons como alternativa a um sistema de proteção da Propriedade Intelectual que ele chama de inapropriado porque desenvolvido para defender o interesse de alguns, incluindo o Mickey Mouse, em detrimento do bem maior, o copyright atual senta em cima de toda a criação intelectual e artistica do século, impedindo sua circulação mesmo que não hajam prejudicados ou interessados financeiramente.

Sinais de que haverá mudança na Propriedade Intelectual (e isto inclui a Música). Não será imediatamente, as letrinhas tão pequenas dizem isso, mas esta sendo mandado um recado para que se retome esta discussão com boas maneiras e sendo razoaveis. O cara mais forte do mundo está assumindo posição, sim podemos mudar.

Por aqui também se prepara proposta de mudança de Direitos Autorais, em algum lugar há uma discussão tecnoburocratica, mas ao mesmo tempo se aumentam por decreto os impostos sobre as industrias criativas, os produtores de cultura do Simples, logo eles os menores...

No congresso brasileiro circula uma proposta de se isentar a produção musical de impostos, como se isentaram os livros, que são imunes, nenhum imposto pega neles. A classe musical não sabe ou não fala do assunto, a imprensa ignora junto e ficamos assim, Pai Obama olhai por nós...

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Filosofando na padaria

Sem querer, dei com esta cronica de 2002, preservada num arquivo de mensagens do samba-choro

Como estavamos falando sobre O Destino da Música, e eu acredito em intersecções quanticas dos significados, achei bacana trazer estas oportunas reflexões á luz de 2009 e ver que a lógica continua viva.

Filosofando na Padaria:

Pena,


Como você sabe, a padaria é um ótimo lugar para pensar em vários assuntos,
pois as moscas saem da cabeça e vão para os pudins. Assim, sobre os
privilégios de que estávamos falando, me ocorreu o seguinte:


1- Se o artista iniciante precisa de uma obra consagrada para firmar sua
carreira, essa obra tem um valor.


2- Talvez o novo artista ou seu selo independente não possam pagar esse
valor, bem como não podem pagar o valor de bons instrumentos musicais,
bons estúdios, locação do Credicard Music Hall, Olympia e nem contratar o
tio Pena, o dr. Yazbek e a Marilda Vieira para produzir, documentar e
divulgar os shows que também impulsionarão a carreira do artista.


3- Assim, como vemos, o artista iniciante necessita de várias coisas para
firmar sua carreira. Pergunto: Por que o compositor criativo, que pariu
uma obra capaz de alavancar a carreira de um novo intérprete, deveria ter
que aceitar um valor baixo para a utilização de sua criação enquanto
outros agentes do mesmo modo necessários para a carreira do artista podem
negociar seus honorários como quiserem?


4- Sabemos que essa não é a verdadeira preocupação de certas editoras, ou
certos herdeiros. Mas tirar legalmente a capacidade de todos os autores de
negociar a utilização de sua obra como nós fazemos com nossos serviços não
me parece justo.


5- Insisto, é necessário colocar os dois pés de artistas e compositores no
chão com relação a como suas criações serão administradas e até como seus
herdeiros devem proceder com relação a suas obras.


6- A indústria, sim, precisa perder seus privilégios. Administrou mal,
perdeu a renovação do contrato. Deixou de publicar por "x" tempo, perdeu o
contrato de edição.


7- Posso estar viajando numa talvez impossível transformação da natureza
do artista. Mas tudo andaria melhor se eles desejassem menos glamour,
carros, mulheres, mansões e mais uma carreira profissional, com todos os
passos, dificuldades e empenho que isso significa.


[]s,


FY


Caro Fernando Yazbek


...assuntos indigestos...


vejamos o mesmo pudim pelos olhos de outra mosca, que pousou na cafeteira
e ficou muito louca:


1) linguagem comum - não estamos tratando mais de uma invenção
absolutamente nova, um verdadeiro ato de criação, mas do uso comum de um
bem comum, a nossa cultura, estamos falando de arte popular, já em domínio
do povo, os gêneros musicais, formas artísticas devidamente mapeadas e
públicas. Se um artista quiser "inventar" uma música, deveria ter os
mesmos privilégios que os inventores têm, e sabemos que isso muda o jogo.
Esse é um fato recente, fruto de apenas 70 anos de cultura de massas e
meios de divulgação eletrônicos, que mudaram radicalmente o conceito de
propriedade intelectual e seu valor. Quando um artista ou obra é
mundialmente conhecido cria-se um produto imaginário, a soma de nossas
percepções. Esse produto não pode ter valor atribuído, não vale por si.
Vale pelo privilégio de oferecer novas informações sobre um assunto que
interessa a muitas pessoas, a vida útil do artista como gerador de valor.
Imagine se tivéssemos de pagar os mesmos direitos autorais aos políticos
por seus discursos, aos atletas por suas jogadas, aos personagens do
noticiário. A atividade musical pode ser equiparada a eles que também
fazem uso de nossa cultura e dos meios de divulgação.


2) privilégio de exclusividade da cópia - tudo começou aí, na indústria de
administração da cópia, e este é o papel inicial da indústria da música.
Quando não há mais obstáculos à realização da obra, ou seja, nada de
orquestras, estúdios, prensas, caminhões, lojas e estoques, acaba o
privilégio do produtor fonográfico, que originava o seu direito de cobrar
pelo serviço de administrar a criação da obra. Hoje, a produção de música
é uma atividade pessoal do artista e sua equipe, mais próxima, fica pronta
quando se fixa o fonograma, de forma muito simples. Há espaço para
intermediários, mas não existe mais a obrigatoriedade do artista ter de
passar por uma "gravadora". A distribuição da obra cada vez mais se faz da
mesma maneira, de forma autônoma dos sistemas industriais, através da base
digital. O mesmo começa a valer para a divulgação. Imagine, é como se
estivéssemos no inicio do século 20 e os fabricantes de carruagens
conseguissem administrar as ferrovias e os automóveis baseados em seus
privilégios anteriores, devidamente legítimos e regulamentados, de
transporte público.


3) proteção ao artista - e aos meninos de rua, aos poetas, aos pintores de
quadros, aos velhinhos que se lembram do passado, ao atleta e ao político.
A situação se coloca de forma exemplarmente corporativa e viva. Artistas
unidos jamais serão vencidos. E conseguirão planos de aposentadoria,
isenção de impostos, financiamento da casa própria, enfim essas coisas que
eles não tem no momento. Cidadania para o artista, esta é a plataforma
correta.


4) proteção à obra - que tal enquanto houver interesse por ela? que tal se
isto for um simples problema comercial, como a cotação do dólar e das
ações? Claro que música hoje é commodity. (Serei expulso do Paraíso por
isso!) Certas coisas deixam de ser negociáveis - casas são tombadas,
servidões, marcas entram no dicionário, os genéricos, a casa dos artistas
etc. etc. e o mundo roda igual. Qualquer perda vem acompanhada de um
esperneio e não se espera menos. A Música não precisa dos direitos
autorais, como estão, para continuar sendo um assunto do interesse
público, os artistas não se beneficiaram de tudo que foi cobrado como
direitos, temos de negociar novas condições sob uma ótica bem pragmática.
Uma obra tem valor e deve ser explorada, dentro de uma dimensão material
enquanto objeto de consumo. As regras que regem a proteção da obra não
podem ser justificadas pela manutenção do status quo simplesmente. A cópia
não é mais a obra, não faz mais parte do que deve ser protegido forever. A
obra é o conteúdo e sua exposição, que tal? Conteúdo é direito perpétuo,
direito pessoal do autor/intérprete, depois de alguns anos de privilégio
de uso direto, graças ao suporte imaterial na memória de todos, passa a
ser cultura, grátis. Algo como direito de arena faz mais sentido do que o
conceito de administrar autorizações para suportes ou formatos. Cobrou
para mostrar, pagou. Quem administra um repertório teria de pensar como um
administrador de portfólio, uma carteira de ações talvez, onde não é
negocio "ter" tudo, mas só aquilo que esta circulando, que tem valor por
ter interessados, gente querendo usar sua música enquanto ela tem
proteção. É muito importante se pensar no domínio público como sendo o
caminho para a propriedade.


A mosca saiu do quindim e chegou perto do seu x-salada.


Como administrar uma coisa que poderá ter milhões de interessados sem
nome, além de big players que pagam no atacado? Como cobrar royalties pelo
x-salada? Acho que só pela marca e pelo serviço, não é possível de outra
forma. O artista e seu charme como personalidade pública. Quanto tempo
leva para "New York, New York" ser cantada por todos os crooners de bares
que servem dry martini? Dez ou quinze anos de uma justa remuneração fruto
de uma carreira de sucesso. Depois disso é x-salada, meu, vira linguagem,
cultura, grafites na sua mente.


A mosca pousa no seu nariz e antes que você a sopre, ela ainda diz:


A pirâmide está pronta, agora o que eu faço com ela?
Nosso problema é mais ou menos parecido com a duvida do faraó. Temos de
atrair turistas, esta teria sido uma boa resposta há três mil anos e não
estávamos lá. Se a música brasileira adotasse uma postura diferente,
poderíamos invadir os corações e mentes de todo o mundo, passando a ser
uma commodity cultural como é a musica americana, enquanto os gringos
ficam lá teimando em querer a pirâmide só para dormitório deles.
Estas idéias de padaria precisam ser ventiladas para espantar as moscas.
abs


Pena

(Peripecias do Pena, 2002, no site showlivre)

O Futuro da Música Depois da Morte do CD

Pois então, faço parte do livro "O Futuro da Música Depois da Morte do CD" que está sendo lançado neste Campus Party 2009 e que pode ser gratuitamente e legitimamente baixado aqui.

Não tive a chance de ler, prometo voltar e comentar, mas parece interessante o conjunto de pensamentos reunidos, de academicos, músicos, engenheiros.

De fato, fica nítido que O Destino da Música, mais que seu futuro, é uma preocupação ampla. O que será da música?

Dois dias depois, já consegui ler, foi um passeio pelas 218 páginas. Se pudesse, reescreveria algumas coisas novamente, escrevo assim com o cérebro fervendo, mal dá tempo de compor a frase já tem outro pensamento pedindo para ser escrito, está tudo lá, mas como no estudio, se fizer de novo sai "a boa"...

Muito bom o conteudo do livro, o programa. Juntos mas cada um por si, mostramos que há uma cultura musical organizada, estruturada, fruto de sua época e dos recursos disponiveis, que refletiu com fidelidade a sociedade que eramos enquanto ouviamos música ao longo do seculo XX e que hoje, preocupados com as transformações trazidas pelos novos tempos, pelas novas tecnologias, estamos querendo preservar estes valores culturais, abalados e ameaçados por tensões e atritos comerciais, juridicos, financeiros. Acaba a indústria fonografica junto com o CD? Acaba a música? A resposta a estas perguntas voce terá depois de um simples download, ligue já!