quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Como era O Futuro da Música, em 2004

"Aos sócios da ABMI

MIDEM 2004

Estive no MIDEM em fins de janeiro último, a convite da BM&A, representando a ABMI.

Abaixo, os tópicos que anotei durante o evento, com comentários atualizados.



1) A fachada do Palácio das Exposições foi o prenúncio. Os novos aliados da música estavam presentes em grande estilo. A Apple veio dizer que 10.000 músicas cabem no seu bolso. A Microsoft tinha uma ilha bem no meio do corredor central, mostrando 30 modelos de players digitais de até 40GB, todos minúsculos e já a venda. Haja música. Ponto importante, a maioria destes sistemas toca mp3 livre e formatos protegidos com DRM, que agora estarão competindo entre si.

2)Temos uma batalha de formatos em pleno curso:

♪ O mp3, considerado universal e simples, mas que não tem um modelo de negócios, como cobrar pelo conteúdo. Os sites de venda de mp3 ainda não tem resultado financeiro. É defendida pelos que acreditam em modelos de cobrança centralizada, taxa nos players ou no uso da Internet, p.ex. para ser distribuída aos donos do conteúdo. Não carrega muitas informações além do nome da música, álbum e artista.

♪ O formato AAC, do padrão mp4, com DRM da Apple, que é usado até agora só pela Apple em sua iTunes Music Store. Compete pela qualidade e melhores informações dentro do arquivo, o chamado metadata ou audiodata, acrescentando informações sobre autores e selo.

O formato WMA da Microsoft, cujo DRM é o mais difundido, o nosso iMusica e a maioria das lojas de download estão usando. Exige Windows.

A Sony defende o ATRAC, sistema de compressão já usado nos MiniDiscs, recentemente lançou o serviço Connect Music Store, de venda de download protegido com seu DRM, com o objetivo de vender Minidiscs com seis horas de música. O repertório é uma evolução do projeto So-Net, conhecido da ABMI, com ênfase em independentes.

3) O MIDEMnet, um seminário dedicado às coisas da Internet, que acontece no dia anterior num auditório de 800 lugares – estava lotado pela primeira vez em cinco anos que se realiza. Pela temperatura dos debates e pela importância dos participantes, dá para dizer que o futuro do MIDEM e da própria indústria fonográfica que estava se desenhando ali. Na platéia, metade eram produtores fonográficos e a outra metade eram os novos parceiros em todas as suas variantes. Os painéis, debates e apresentações traziam novas idéias e conceitos que precisam ser digeridos pela indústria.

4) A apresentação do chefe da loja iTunes da Apple trouxe noções importantes.

O consumidor típico gasta 9 dólares numa visita. O maior comprador gastou 23 mil dólares e foi procurado pela Apple, que descobriu um cidadão normal, que comprava música para toda a sua família regularmente e achava isso um excelente investimento para seus filhos.

As maiores vendas refletem a parada de sucessos do rádio, até então não havia nenhum sucesso da Internet, mas estão fazendo força para conseguir isso, buscando material exclusivo. Os artistas estão aceitando muito bem a idéia de lançar com exclusividade no iTunes Music Store. O top 100 representa 10% das vendas.

Com a versão para Windows do software player de musicas iTunes a Apple dobrou a velocidade de vendas na loja. Até janeiro somente usuários de Mac conseguiam comprar.

A Apple não tem lucro operacional significativo com a loja, é apenas um “killer application” vendedor de iPods, que tiraram a Apple do marasmo de vendas, 700 mil vendidos no Natal de 2003. O iPod tem 30% do mercado de players e cresce.

Importante para os Independentes: as vendas são horizontais, de 400 mil músicas, 95% vendeu pelo menos uma vez por mês, ou seja, há publico para todos os gêneros e artistas. Resta saber se continuará havendo ampliação do catálogo ou se irá haver uma busca do sucesso, já que há um custo em se manter uma base de dados tão grande. A Apple não tem esta resposta.

♪ Na opinião da Apple, o grande desafio será conseguir a interoperabilidade entre todos os formatos e players.

5) A grande surpresa anunciada foi a presença maciça da indústria dos celulares, chamados de mobile, devidamente representados por executivos de alto nível. A importância do setor pode ser medida pelo tamanho do mercado: em 2007 serão 1,5 bilhão de celulares no mundo e 500 milhões de usuários de Internet. (Em 2005, no Brasil, se espera que haja 20 milhões de usuários de Internet e 50 milhões de telefones celulares.) Todos os fabricantes – Nokia, Motorola, Siemens coincidiram em seus pontos de vista.

Depois de fotografia no celular, a próxima aplicação desejada em primeiro lugar pelo consumidor é Música, de muitos modos e com muitas possibilidades. Todos os novos modelos apresentados tocam música com qualidade de áudio, os truetones. A Nokia mostrou seu aparelho que já tem um rádio FM e mostrou um sistema em que a rádio FM transmite dados e se comunica com o ouvinte pelo aparelho, podendo fazer, p.ex. escolhas entre três músicas on-line, com o usuário votando no seu telefone.

♪ Outras possibilidades são a incorporação de memória ou mesmo HDs, para se carregar a coleção de músicas no telefone, ou ainda, comprar pelo telefone a música que se ouve no rádio, que será descarregada pelo computador em casa. As tecnologias estão prontas.

♪ Todos os fabricantes estressaram que toda música que circular por celulares será protegida com DRM, sem trocas de músicas entre aparelhos.

♪ O telefone vende sucessos, porque não é o lugar para se pesquisar catálogos. O consumidor quer alcançar o que deseja em três clicks. A não ser que o rádio seja usado para mostrar as opções da diversidade.

6) O grande tema que deverá ser discutido nos próximos meses é a estrutura de autorizações (copyrights) que existe hoje, desenvolvida nos últimos 50 anos para a distribuição de músicas em lotes de 14 músicas em cópias de plástico – o CD e antes disso o LP. Grandes barreiras impedem o crescimento destas novas distribuições – download, ipods e celulares. A Apple confirma que tem a sua loja voltada apenas para residentes nos USA, por falta de acordos coletivos com os detentores de Direitos Autorais na Europa e no resto do mundo. Cada país tem sistemas diferentes e é inviável a negociação com cada proprietário ao se montar catálogos com centenas de milhares de músicas. A Microsoft, através do MSN, está projetando a abertura de uma loja, mas enfrenta o mesmo problema. A Sony optou por valorizar a captação de independentes para sua loja. O Napster disse que está montando uma estrutura legal para cuidar disso, mas confirma que dificulta a entrada de repertório.

7) Ainda no MIDEMnet, algumas apresentações se destacaram, como a empresa que montou uma unidade móvel de fabricação (queima) de CDs em shows, capaz de entregar 400 CDs 8 minutos depois do final do show e que já está participando de grandes shows, com vendas de 4 mil discos. Outra iniciativa interessante é a da maior empresa de conteúdo para celulares do Japão – ringtones, figuras, animações e vídeos, que montou um selo para produção de música a partir dos celulares. Veja Temas de ringtones são desenvolvidos por DJs, que depois criam remixes e versões musicais destes temas. Estas músicas circulam no ambiente dos DJs, as casas noturnas, e fazem sucesso quando o público saca seu telefone e remixa suas campainhas com a música que o DJ está tocando. O objetivo é levar estes sucessos para o rádio. Outra empresa mostrou soluções para levar a sua coleção de mp3 para serem tocados no rádio do carro.

8) Fica a impressão que a música tem muito a ganhar com estes novos aliados, que abrirão um mercado real muitas vezes maior que a venda de CDs. A Internet tem mostrado que o público de forma nenhuma perdeu seu interesse pela música, mas a industria terá de achar um novo ponto de equilíbrio entre os diferentes fatores, trazendo mais música por menos dinheiro, garantindo a qualidade sonora, criando condições para que com dados confiáveis se organize melhor as coleções de música, e principalmente garantir o fluxo da inovação tecnológica, da renovação de repertório e o acesso à diversidade e aos novos artistas.

Os novos aliados trazem uma mudança nos ventos que inevitavelmente vão alterar o curso da economia da música.

Primeiro porque são forças gigantescas comparadas a indústria fonográfica. Foi dito lá que todo o orçamento de publicidade da indústria fonográfica é igual ao orçamento de marketing da Apple, que por sua vez é apenas 1 ou 2 por cento do tamanho da Microsoft. Estamos falando dos líderes de tecnologia.

Segundo, os novos aliados têm todo interesse em usar a música mas são unânimes em dizer que não querem comprar o negócio, não é o ramo deles.

Terceiro, aparece a possibilidade destes aliados financiarem a circulação da música, porque lucram na venda de seus produtos e serviços e não na venda da própria música, da mesma forma que os anunciantes viabilizaram a universalização do rádio e da TV.

E finalmente, porque se trata de uma questão estratégica de Estado, da permanência das culturas nacionais. Seja qual for o modelo da indústria daqui a cinco anos, se ele não permitir a nossa sobrevivência como produtores independentes, teremos perdido a batalha como nação.

9) E este último ponto traz a seguinte observação: as nações estão se mobilizando para participar da evolução da indústria da música. No MIDEM, era notável a presença dos estandes nacionais e das iniciativas como o governo francês anunciando que irá tomar medidas para facilitar os acordos coletivos. Diversos países europeus estão montando agências para a exportação e fomento de suas músicas, criando organismos para definir regras e padrões comuns de negociação e tecnologia, para resolver estes gargalos.

10) O CD não morreu. Ainda é o formato da maioria e deve durar uns bons anos, antes de perder seu lugar como veículo de música. Em 2003 circularam 30 bilhões de músicas no formato CD.

11)O MIDEM é movimentado por pequenos selos procurando e oferecendo músicas de segmentos, como é a música brasileira, o jazz, a produção independente mundial e estes selos prioritariamente vendem CDs. Os selos mais organizados desenvolvem campanhas de marketing alternativo que acompanham o licenciamento ou venda de seu catálogo, sempre apoiados nos lojistas especializados, com material de ponto de venda, vídeos para lojas etc.

A conclusão é que produzir música é o cerne do negócio e que iremos circular e distribuir essa música por mares nunca dantes navegados. Vamos ter que rever o papel do marketing e da divulgação, para variar.

Grande abraço.

Pena Schmidt

Maio de 2004"

Um comentário:

  1. e o que vc acha do ex-futuro? vamos discutir no próximo think tank da ybmusic?
    abs.

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