sexta-feira, 27 de junho de 2008

Terra à vista! P2P legal na Inglaterra até o fim do ano?

Pois o nosso dado analista da fonologia Andrew Orlowski botou uma matéria com manchete e chamada de exclusivo. Creio que o rapaz frequenta o café do senado da industria inglesa, o London Calling e trouxe um resumo bem por dentro do que estava se discutindo por lá, um suposto armisticio, ainda sem assinaturas nem manifestos, mas com uma certa coerencia.

A partir de ameaças de intervenção do governo e no limite para reverter os prejuizos do music biz, os provedores de internet e o pessoal do conteudo definem um plano baseado em oferecer via p2p, música "gratis" incluida no preço do serviço de banda larga. Os provedores definirão preços e terão as informações de qual conteudo trafega. Esta música será livre de amarras, sem DRM nem prazos, para ser disseminada. As informações de tráfego determinarão a distribuição do pagamento a ser feito à música. Um licenciamento global e compulsorio das músicas será necessario e imprescindivel. Todas as assinaturas de banda larga terão de fazer parte do plano. Será música a música, sem torrentes.

Ai começa a região ainda sem definições: quanto será a proporção dos royalties de autores, interpretes e produtores em cada música? O que se fará com o dinheiro das músicas que não foram tratadas para o mercado digital, ainda sem metadata, sem registro nos bancos de dados de identificação. De toda forma, já estarão discutindo em cima de um dinheirinho que deverá pingar firme, se tudo der certo. Os provedores ganham impulso para vender muito mais banda, com certeza.

Como proposta, é um passo concreto na direção de um mercado musical adaptado ao reino digital.

Alo alo amigos, a realidade não será muito diferente por aqui, mas este plano requer mudanças em nossa Constituição, por exemplo, para se conseguir uma licença compulsória, unico jeito de autorizar o fluxo.

quinta-feira, 26 de junho de 2008

Noticias interessantes e frescas.

Alinhando quatro itens destes ultimos dias, sem muita pesquisa, neste meu caderno a céu aberto:

1)A IFPI confessa que o volume de faturamento da industria em 2007, incluindo ai queda de mais 15% no CD e crescimento de 40% do digital, caminha para ficar igual ao faturamento de 1980, 28 anos atrás. Em breve será igual a 1960, e depois 1950...

2)A loja iTunes comemora 5 bilhões de downloads em cinco anos. Simplificando a conversa, a curva de crescimento estabilizou em algo como 1 bilhão de downloads por semestre. Se fossemos converter em CDs, ou LPs, sendo ironicos já que os mercados se aproximam, estamos em cerca de 166 milhões de CDs ou LPs por ano no iTunes, que era o tamanho do mercado americano em meados da decada de 60...Dizem que hoje o iTunes é 3% do faturamento global, nunca houve um vendedor com esta potencia.

3)Eles que se entendam: e agora nos USA querem que o radio pague os interpretes, desde sempre considerados beneficiarios da divulgação, e já chamam o radio de pirata por não querer pagar.

4) Para minha profunda satisfação - eu não disse! - circula hoje no Digital Music News uma nota do Andrew Orlowski que passa bem por analista da industria e deve ser acompanhado de perto também no TheRegister.com. Na nota ele descreve um estudo de uma universidade inglesa sobre o que a molecada realmente quer. Não dá outra, queremos música sem amarras nem bloqueios, que possa ser recomendada, mostrada, distribuida pela familia e amigos, sem limites de quantidade nem de tempo, descrevendo a música da mesma forma que é conseguida nos P2P. Mais ainda, todos pagariam algo suficiente para remunerar os artistas e autores, em uma taxa mensal acessivel e significativa. Somos unanimes em dizer que levariamos a nossa discoteca ou musicoteca, como primeira escolha no teste da ilha deserta, é o nosso bem mais querido. Mas quando se coloca uma noção de valor em jogo, fica muito confuso quanto vale em dinheiro esta coleção, não há um valor monetario sendo associado à musica , claro, cada vez mais desvinculada de produto , fruto da cornucopia.
O melhor da história é que esta conversa esta vindo á luz durante um encontro muito profissional chamado London Calling, - que não faz parte do circuito que os brasileiros frequentam, nem mesmo o nosso ministro Gil. No London Calling deste ano, com presença de muitos figurões da industria e mais uma leva de poderosos dos provedores de internet e das telecoms, está se fazendo uma conferencia rápidamente em função de ameaças formais do governo ingles de interferir na industria fonografica, da música gravada, nas sociedades autorais e nos negócios de distribuição digital, criando uma regulamentação, uma lei poderosa, para eliminar - esta é a palavra - a pirataria como problema. "Somos crianças perante uma lei" dizem eles, indefesos e obrigados a seguir seja qual for o modelo que vier a ser adotado. Duas correntes neste momento disputam o pareo dos palpites. Ou uma regra das "tres pisadas", na terceira voce esta fora da internet, depois de uma advertencia e de uma pequena multa por infringir a lei do não por a mão no que não é seu, não bulir com cópias de músicas, uma lei severa que moralize a suruba. A outra linha é cobrar um pedagio e liberar tudo, como querem os clientes da cornucopia. Em ambas alternativas a industria tem que rebolar muito para acompanhar a dança. O que se procura é ver se sai alguma outra formula de consenso a partir do London Calling. Não estamos prontos, digo eu... O Juliano Polimeno postou a pesquisa original e a sua leitura é , no minimo, estimulante.

5) Como item extra, sai no Globo, só para assinantes, uma nota dizendo que ministro Gil em NYC quer que se aplique o "canone digital" - que raios é esta definição? (é do modelo espanhol??) - uma taxa sobre mp3 e mp4 players, celulares, HDs e demais hardware que carrega música ou conteudo. Talvez o nosso melhor ministro não esteja tão bem assessorado alem da dialética. Caso ele tenha tempo de me ler, não dá mais para ir buscar este "canone" vindo diretamente dos ultimos anos do século passado, onde os dispositivos físicos ainda eram importantes e tinham origem controlada, eram taxaveis. Ministro amigo, na rua Santa Efigenia estes dispositivos são vendidos a 30 reais o Gigabyte, e cabem dois dentro de uma caixa de fósforos, também são frutos da cornucopia digital. Literalmente, falta pouco para serem fundidos e multiplicados no quintal de casa, no Realengo, no Rio Vermelho ou na Moóca, como já o são os CDs e as bolsas Luis Vuiton. Se for isto, ficamos na taxa para o celular e o laptop, para os PCs de marca e para quinquilharia cara das lojas de rede, e como sempre, será incentivo da melhor espécie para os nossos atuais fornecedores a preços decentes e origens nem tanto. Ministro, aproveite a ida e veja se conversa com seus colegas ai, o pessoal do Canadá está botando pra quebrar a louça, aderiram ao modelo tres pisadas, mas com uma certa folga para quem não comercializa, mostrar músicas ou filmes para os amigos não é crime. Os franceses talvez sigam esta linha, os ingleses estão falando grosso e empurrando a industria para o dialogo. Venha com idéias para tocar fogo no circo, a lona está velha, furada sem conserto, com todo o respeito.

sábado, 7 de junho de 2008

"Distribuição" de música? Que tal aleluia?

O pessoal do Guia da Música Brasileira esta produzindo um seminário em SP depois de ter percorrido o Brasil durante um tempo. Me chamaram para falar, propondo um tema, uma pergunta que ouviram por ai. Eu devia gerar uma lauda, para ser incluida no livro resumo do projeto e que servirá para minha fala. Preferi ser apocaliptico e apoplético, já que ser pragmatico me parece perda de tempo no assunto, cada um com seus problemas.


Distribuição e música on-line em Movimento. Como a política pública, as
associações profissionais e os artistas poderão colaborar para encontrar
soluções para a distribuição hoje da produção artística musical e estimular
a utilização das novas tecnologias aplicadas à indústria da música nas
diferentes etapas de sua cadeia de produção?


"Movimentos são necessarios para se caminhar, da colaboração dos
interessados até a eficacia das ações coletivas. A formação da ABMI, a
criação de novas associações, como a ABRAFIM e o inicio de atividades
agregadoras como as feiras e congressos dedicados á música apontam um inicio
do processo. Mas em outras frentes não se concretiza o diálogo, não se
fundem novos corpos. Músicos e seu Forum Nacional, e a Camara Setorial da
Música dentro do MinC, por exemplo, não frutificaram. Não se discute as
causas, mas constata-se o fato de que ainda não temos uma assembleia capaz
de representar todos os setores, ainda não há quorum para ações de mais
fundo e folego, para pensar a Música Nacional, para mudar a Constituição a
favor da Música, dos Músicos, da Industria e da Classe Musical, do Público,
pela Cultura.

Isto pode vir a ser uma necessidade próxima, urgente, quando se fizer
patente a necessidade de uma transformação estrutural da grade de leis e
acordos que regiam satisfatóriamente o setor nas ultimas décadas, mas que
hoje não conseguem conter a anemia, impotente perante o novo mercado, a nova
economia, o ambiente que a tecnologia digital trouxe para o bem e para o
mal.

A cornucópia virtual, dos bens imateriais subitamente sem onus material - na
rede, no celular, na palma da mão - pede uma nova noção de valor para a
Música, mais universal que a venda da cópia, mais livre de atrito que a
cobrança em cada transação, jamais ignorando que há valor em cada fruição,
em cada apreciação do trabalho artistico, mas ao mesmo tempo liberando a
Arte, o conteudo, para trafegar livre como os bits e os elétrons que agora a
carregam. É necessario um novo big bang artistico e autoral, criar uma
arrecadação inicial, um único ponto de cobrança no principio de todos os
processos de expansão e multiplicação, cuidando de todos os direitos e de
forma simples, democratica, permanente.

A distribuição de uma arrrecadação única é tarefa de Hércules, especialmente
no esforço de conter os apetites, mas existe a lógica do valor mensurado
pelo poder de capturar o ouvinte, pelo numero de vezes que circula, pela
demanda. É uma tarefa numérica, e nisso os bits são muito bons.

Estes conceitos, ainda recem formulados, circulam pela rede e vão procurando
seu lugar no mundo real. Continuam existindo as leis de mercado, o arcabouço
fiscal, algumas lojas de discos onde ainda se vendem CDs e as lojas de
internet, com catálogos minguando mas vendendo também LPs e vitrolas USB. No
dia dos namorados os artistas romanticos autografarão discos que eles mesmos
venderão. Mercados de nicho, artesanatos, bijoux e souvenirs. Enquanto isso,
teremos mais de um celular por pessoa, cada celular poderá conter números
absurdos de arquivos e poderá acessar a nuvem de arquivos com todas as
músicas do mundo sem que se precise saber como nem talvez quanto custa, só
para pensar pequeno.

O modelo necessario para uma nova "distribuição" de música não será mais um
simples acordo entre partes comerciais, terá de fazer parte da Constituição,
um contrato social que irá mudar as leis. Se a Música quiser se beneficiar
de uma realidade que inexoravelmente caminha em nossa direção, será preciso
uma reforma abrangente, que envolva todos os setores atuais e os novos
parceiros, os digitais e as telecoms. Será preciso em alguns anos refazer
acordos que levaram décadas para se costurar.

A Música deve se organizar em torno de sua demanda mais básica, a de que
seja reconhecido que há um valor devido á Música cada vez que se cobra para
proporcionar a sua fruição, e que este valor deve ser devolvido á Música.
Este talvez seja o ponto de partida para a colaboração em busca da solução, senão, será
cada um com seus problemas."

Pena Schmidt
Auditório Ibirapuera, jun 2008

Uma lauda sobre os anos oitenta.

O SESC Pompeia me pediu uma lauda sobre os anos oitenta, para incluir no programa de um um espetáculo que acabou de acontecer, A Era Iluminada, com interpretações da época. Ok, eu estava lá, não precisava fazer nenhuma pesquisa, era só escrever. Topei, dizendo que teria de ser um texto escrito num jato, sem edição. Toparam e deu nisso:


"Todo brasileiro sabe que o melhor momento da feijoada é a hora de montar
seu prato, cada um com sua preferencia cuidadosamente calibrada na
composição nutritiva e nas cores. Os anos 80 foram um enorme buffet de
feijoada, entenderam? Cada um escolheu ali o que seria de seu futuro, e
teve de tudo. Inflação, por exemplo, que começou a década com 100% ao ano e
terminou com 14 mil porcento, hiperinflação. Mas também cresciamos como
nação democratica, finalmente votamos pra presidente e escolhemos o Collor.
Engatinhavamos nas recem recuperadas liberdades de expressão. Inútil foi
citada no Congresso como manifestação a favor da democracia. A gente não
sabiamos escolher presidente. Exportamos armas para o Iraque, eramos
orgulhosos fabricantes de Urutus e foguetes Astros. No final, o Suba começava sua injeção de eletronica na música popular brasileira, mas antes disso algumas
bandas paulistas se exercitavam no dialeto eletronico como o Azul 29 e
Agentss. O minimalismo do Steve Reich se propagava pelo universo pop, o The
Police fazia uso das mesma nota repetida do começo ao fim. Menos já era mais. O Ultraje e o
Gil brincavam de reggae, coisa do Liminha, por causa disso eu fui conhecer
a Jamaica e vi que o reggae era verdade, música popular e não coisa de
ingles pop. O Glauber Rocha fez A Idade da Terra antes de morrer e fiquei
com aquela experiencia de falta de roteiro como arte possivel. Os Titãs no
estúdio, gravando Sonifera Ilha, com tecladinhos e uma falta de jeito de
principiante, mas abrindo a janela para uma deslumbrante paisagem sonora,
tropical e aconchegante, me enche de luz. O Brasil se reconheceu ali
naquela mistura de James Bond com Belem do Pará, o futuro maduro. E vinha
uma geração faminta e folgada, querendo ocupar todo o espaço, do Chacrinha
ao Circo Voador, do Radar Tantã ao Rock in Rio. Viamos Marisa Monte no
Aeroanta, onde aconteceu um bom pedaço do desenho deste nosso presente, Bem
Que Se Quis. Nas Ruas, onde eu me sinto bem, o Ira desenvolvia a
sinceridade moderna. As bandas trocavam de membros, sai André Jung entra
Charles Gavin, nas internas, eramos tripulantes da mesma nave, um onibus
mágico rumo ao futuro. O Rio era diferente, mas o Cazuza firmava seu poder,
pensando o seu Brasil que tinha uma cara de jovem corajoso, quase heroi que
dizia que fazia parte do seu show, tudo normal. Nas ruas, o Opala era um
pacificador, podia ser esporte, diplomatico ou taxi. Clara Crocodilo,
lembra, bem no começo de tudo, quase um fato sozinho no inicio dos tempos,
a vanguarda paulistana dizia um discurso, Arrigo Barnabé era ardido e
aspero, mais radical que os os punks do teatro A Pulga, onde o Magazine
nascia depois de ser Verminose durante anos, desde 1980, pós punk. Sou Boy
fazia parte do repertório desde o primeiro momento, autoria de um
verdadeiro ofice boy, vinhamos todos da Continental, gravadora sertaneja
tradicional da Avenida do Estado e onde se gerou este broto de DNA com a
cultura da firma, do emprego urbano, cronica como Noel Rosa e Adoniram
Barbosa, mas com um pé em Elvis Presley, vai saber. Tudo isso se misturava
no prato de cada um, podia ser rock e podia ser musica brasileira. Alguem
preferiu batizar de Rock Br, talvez fosse a torcida maior, e ficou sendo
uma geração de roqueiros que tomaram o poder finalmente. Mas, olhando de
longe, são baladas liricas como todos os boleros, dores de cotovelo
familiares em todos os bregas de norte a sul, canções de arrebol e de tocar
a boiada, parodias e facécias engraçadas, humor e espanto pelo progresso e
pelo metro que acabava de vez com nossa ilha tropical, com nossa praia,
horda de hunos que nos invadimos e De Repente California, uma salada,
cultura, feijoada."

Paulo Coelho é seu melhor personagem. De graça para vender mais, ele sabe.

Matéria no excelente Techdirt - um trocadilho infame com sacanagem e tecnologia, recomendo diariamente - prossegue em abril uma história de janeiro sobre Paulo Coelho e seu inacreditável blog pirata, o Piratecoelho, onde Paulo publica torrentes de seus livros em todas as linguas, com a cumplicidade de seus leitores, que enviam traduções em búlgaro ou então arquivos com a obra completa em cada lingua. Paulo conversa com seus leitores, posa para foto com tapaolho de pirata , dá entrevistas para sites obscuros de torrentes e ainda envolve na aventura, como ele mesmo trata, seu agente e seu editor. Não contente com as cópias caseiras, fruto da digitação ou escaneamento dos fãs, ele apresenta cópias gratuitas cedidas pela Simon &Schuster, seus editores. Conta que preferiu entregar seu ultimo livro para os leitores produzirem um filme coletivo pela internet, em vez de aceitar ofertas de Hollywood para transformar A bruxa de Portobello em sucesso de bilheteria.
Meu amigo Paulo Coelho, com uma biografia saindo agora que promete entregar quase tudo, sempre foi seu melhor personagem, vivendo sua lenda pessoal até onde conseguiu ir, até o limite. Com esta discreta aventura no mundo da pirataria, poderia estar indo um pouco mais longe e informar ao mundo que funciona, dar seu livro de graça aumenta as vendas. Claro, esta é a lógica que não acha seu lugar no bom senso. Quanto mais gente ler Paulo Coelho, mais ele fica famoso e desejado. Quando as pessoas se defrontarem com seu livro numa loja ou numa página de internet, será um Paulo Coelho familiar, sou seu fã. E pronto vende-se mais um.
Paulo foi um executivo de gravadora, viveu seu momento fonográfico de forma competente. Se ele quisesse poderia explicar aos ex colegas que não há porque ter medo da cópia, desde que... e isso é com ele.